Como falar daquilo que é invisível?
Fazer rir é muito sério. E na Operação Nariz Vermelho levamos o nosso trabalho muito a sério. Para nós, podermos partilhar, contar e mostrar a todos o que fazemos é fundamental.
Há uns meses estive no Hospital Pediátrico de Coimbra a acompanhar o trabalho dos Doutores Palhaços da Operação Nariz Vermelho. Poder assistir ao vivo é essencial. São sempre momentos muito importantes. Ver a improvisação a fluir de forma melódica e poética e o poder do humor no estado de espírito das pessoas e do espaço é sem dúvida transformador.
Conto-vos, como se uma história vos contasse, um momento que me tocou especialmente: uma dupla de Doutores Palhaços ia passando pelo corredor do internamento pediátrico, entrando em cada quarto para interagir com mães e crianças — bebés com menos de um ano de vida. Sentia-se da parte dos artistas um cuidado para tal situação, o jogo era gentil, a palavra musical, o olhar certeiro.
No final de cada interação, sucedia-se sempre o mesmo, no que a dupla se despedia, as mães pegavam nos seus filhos ao colo e iam seguindo — ora de longe, ora de perto — o percurso dos Doutores Palhaços, como se de um cortejo se tratasse. A certo ponto contei, eram cinco mulheres — algumas empurravam também o carrinho de soro. Mais, ou menos cansadas, cada uma no seu espaço, dançavam, sorriam, emocionavam-se, unidas entre elas e aos Doutores Palhaços, por um fio invisível de amor, de humor, de vida.
O que eu assisti é impossível relatar por palavras, foram 15 minutos onde o tempo congelou transformando-se em algo etéreo.
Em 2022, regressámos finalmente aos 17 hospitais onde trabalhámos, aos olhos nos olhos e, ao mais importante de tudo, às Crianças (com ‘c’ maiúsculo mesmo). É uma emoção que não cabe no peito. A alegria de retomar o sentido daquilo a que chamamos normalidade é enorme. Por mais que nos tenhamos reinventado e readaptado durante a pandemia, poder estar, cantar, brincar e espalhar sorrisos pelos infinitos corredores dos hospitais de Portugal não tem mesmo igual.
Apesar da enorme resiliência de toda a equipa da Operação Nariz Vermelho, estes últimos dois anos, foram sem dúvida tempos desafiadores. Junto com a emoção estão também os medos, as dúvidas e as incertezas, não só do nosso lado, mas também de todos aqueles que transformam connosco o hospital — os profissionais de saúde.
A fragilidade é real e o nosso trabalho urgente. É imperativo, mais do que nunca, levar a arte do Doutor Palhaço a buscar a cada dia, esse invisível, que não sabemos explicar por palavras, mas que representa a esperança de vida renovada.
Este é também o ano em que celebramos 20 anos de vida, de missão, de história. São 20 anos tão cheios, que só nos resta querer agradecer.
Foi esse mesmo o nosso objetivo nas celebrações desta data tão importante. Criamos uma exposição e um espetáculo que estão em tournée por todos os hospitais onde trabalhamos. Apesar do nosso palco ser o hospital, esta semana temos o privilégio de trazer este espetáculo para o grande público. Vamos mostrar a todas as pessoas que não têm acesso ao nosso trabalho um bocadinho do que somos. Estaremos no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, de 27 a 30 de Outubro.
Fazer rir é muito sério. E na Operação Nariz Vermelho levamos o nosso trabalho muito a sério. Para nós, podermos partilhar, contar e mostrar a todos o que fazemos é fundamental. Só assim conseguimos renovar os laços, a força e a confiança que precisamos para fazer o nosso trabalho, sempre para a criança e sempre em busca do invisível.