Uma escola de (des)equilíbrios!
Será conveniente percebermos, sociedade em geral, o sistema educativo, em particular, que o digital é e deve ser usado como um outro recurso.
Se ainda existem dúvidas que a tecnologia chegou, de forma evidente e abundante, ao sistema educativo, estas foram dissipadas com o atual Plano de Ação para Transição Digital das Escolas, em Portugal.
O Plano de Ação para a Educação Digital (2021-2027), que a Comissão Europeia definiu com os objetivos de promover uma educação digital de qualidade, inclusiva e acessível a todos, está a ser aplicado em todos os países da União Europeia.
Na sua génese, define-se como um plano que visa reforçar a cooperação a nível europeu e reconfigurar a educação e a formação para uma era digital. Todavia, colocamos a seguinte questão: Não estaremos a colocar a ênfase no uso do digital, seja lá o que esse uso queira dizer, ao invés de a tónica insistir na ação pedagógica, seja com digital ou não?
Se por um lado não podemos, de modo algum, ignorar que a tecnologia está para ficar, por outro lado, teremos que ter a consciência, que não é pelo facto de um professor a utilizar na sua sala de aula que fará dele um professor inovador. Ou seja, é falsa a ideia de que o uso de uma tecnologia nos transporta para o futuro da Educação, ou para um qualquer processo de inovação.
Será conveniente percebermos, sociedade em geral, o sistema educativo, em particular, que o digital é e deve ser usado como um outro recurso, na medida que um professor estará sempre, em qualquer circunstância, a cumprir o seu objetivo, seja, o de dinamizar e fazer acontecer o processo de aprendizagem.
Evidentemente, que acreditamos e temos prova científica, que em muita exploração de determinados conteúdos, apenas e, em exclusivo, a utilização de determinada tecnologia, fará uma imersão no processo de aprendizagem do aluno, que se torna inigualável a qualquer outro recurso.
Assim, por esse motivo, é também fulcral desmistificar a ideia, de que utilizamos a tecnologia para motivar os alunos, porque a tecnologia tem de ser usada no processo de aprendizagem para chegar mais longe e desenvolver competências que de outra forma seriam mais difíceis ou impossíveis.
Se para muitos a tecnologia ainda é o “graal” da motivação, então essa é uma ideia perversa. Se pensarmos que para motivar um aluno dependemos de um dispositivo ou aplicação digital tão dispendiosa, estamos a ser pouco eficazes, e a investir desnecessariamente dinheiro e tempo em recursos.
Porém, se nos recentrarmos na ideia de que a tecnologia e este digital torna o processo de aprendizagem muito mais imersivo no seu desenho e desenvolvimento, porque nos permite aprofundar de forma muito eficaz os conteúdos, os processos de tratamento e aquisição de informação, aprofundando de forma única e exclusiva, então encontramos a principal e única razão do uso digital, para aprender mais e melhor.
Depender da tecnologia para um qualquer modelo motivacional, está a participar numa curva de aprendizagem digital desnecessária, a despender energia e valor, em algo que tem e deve depender de uma ação e envolvimento pedagógico, do qual o professor, ser humano, é o responsável e o diferenciador de uma máquina!
O processo de aprendizagem deverá delinear-se a partir do que pode ser feito em contexto educativo para que a aprendizagem aconteça tendo como recurso não só as tecnologias digitais, mas uma nova forma de ensinar e aprender.
As tecnologias vieram dar resposta e tornar mais eficaz muitos procedimentos da nossa vida e é por isso que as utilizamos, devendo o professor ter a liberdade e flexibilidade de aproveitar, se quiser, o que o digital pode trazer para a sua sala de aula.
Ao professor caberá o poder da escolha que o definirá na gestão da sua ação pedagógica, sendo o melhor especialista no balanço equilibrado do uso de qualquer recurso educativo para o objetivo da aprendizagem!
O conteúdo a trabalhar, a forma de o desenvolver, o espaço onde se realiza, o tempo que cada professor e aluno dedica a explorá-lo, a alteração do papel do professor, do papel do aluno e do papel da família são aspetos a serem considerados na redefinição do que é, hoje, a escola!
A abordagem pedagógica que um professor deverá fazer, independentemente de ser com ou sem digital, é que ela seja diferenciada. Para tal, a palavra-chave é encontrar o equilíbrio e dar o poder a quem na realidade sabe fazê-lo, que são os professores, não precisando de obrigatoriedades, mas de tempo e reconhecimento.
Há muito, que professores querem fazer diferente e inovar, mas sentem-se sozinhos sem o suporte das direções das escolas e sem o apoio dos pais, porque as famílias estão à espera que aconteça na escola a mesma forma como foram ensinados.
Os mesmos professores que necessitam de tempo de preparação e apropriação, de recursos digitais sérios e fidedignos, ao invés de placebos digitais e falsa ideia de conexão a uma rede nacional débil e pouco consistente.
Também vivemos, hoje, um processo claro e evidente de diabolização do digital na Educação, sem que se saiba exatamente sobre o que estamos a falar, quando nos referimos a processos digitais na Educação. Talvez por todos experienciarmos um uso indevido durante a pandemia, levou-nos a crer, que essas são as experiências a serem replicadas numa escola.
Seria bom que se conhecessem melhor que práticas são estas com uso digital, imaginando que o que se faz com o digital ou sem ele tem sempre uma ação pedagógica. Ou seja, os erros com digital podem e são, muitas vezes, os mesmos que já aconteciam sem digital. O problema está na ação pedagógica, no desconhecimento da realidade e nos receios dessas utilizações.
A salientar que o digital não é a panaceia, e não pode ser utilizado, sejam manuais digitais ou outros, “apenas” no seu modelo de substituição e como a única solução. Mas não perceber o seu potencial e acima de tudo os resultados que crianças em todo o mundo têm demonstrado no seu desenvolvimento académico por meio de interação pedagógica diferenciada, que inclui, naturalmente, modelos com utilização digital, também se torna absurdo!
Tal como uma má utilização da tesoura em contexto educativo oferece riscos, também o digital. Mas será que os alunos se cortam em tesouras constantemente? Ou a tesoura, como recurso é usada quando há necessidade de a utilizar? E dentro de uma escola, essa utilização é regulada e educada? Será culpada a tesoura ou a sua má ou boa utilização? Ficam as questões para reflexão!
De destacar que já falamos de tecnologia na Educação há mais de um século, desde o aparecimento do vídeo, mas foi a pandemia que a trouxe à vista, de forma mais generalizada.
E quando ouvirmos falar das excelentes escolas na Finlândia, Estónia e Singapura, que nos lembremos que em Portugal também existem, mas não têm tido o espaço para serem divulgadas, com professores de enorme valor, que não têm sido reconhecidos pelas suas práticas de excelência, ainda para mais com os processos de inclusão de todos os alunos numa escola, que é o maior elevador social deste país, que é inclusiva e que não se compara com os cenários nórdicos socialmente idílicos.
Que encontremos equilíbrio!
O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990