Na sociedade actual, a posição da Filosofia na sociedade é ambígua; odiada por uns e amada por outros, considerada inútil por muitos e vista como fundamental para alguns, a verdade inegável e histórica é que a Filosofia desempenhou (e ainda desempenha) um papel fundamental no progresso civilizacional do mundo. Tanto é assim que, em 2002, a UNESCO julgou necessário instituir o Dia Mundial da Filosofia, precisamente pela “necessidade da humanidade reflectir sobre os acontecimentos actuais, fomentando-se o pensamento crítico, criativo e independente, contribuindo assim para a promoção da tolerância e da paz”, como se lê no site da Direcção-Geral da Educação.
Ora, apesar deste facto, a Filosofia continua a desempenhar um papel secundário no sistema de ensino português, sendo sempre colocada a possibilidade, cada vez que se fala de uma reforma profunda no modelo de ensino, de esta disciplina vir a cair do currículo, ou vir a ter um papel de mera opção, ao invés de continuar a ser uma disciplina de formação geral, como é ao dia de hoje, nos cursos científico-humanísticos.
Quem advoga por este desaparecimento ou menorização da disciplina de Filosofia (apenas pelo facto de não ser uma ciência com impacto directo na economia das nações) não deve certamente compreender que a existência da sociedade contemporânea se deve à presença da Filosofia bem no seu centro (os seus princípios e valores foram primeiramente enunciados por filósofos, as revoluções assentam em bases filosóficas, a própria política gira em torno de conceitos e noções filosóficas, etc.), ou que as preciosas e rentáveis ciências apenas existem porque a Filosofia, através do seu método inquiridor, inspirou o método de investigação científica, tendo sido ela a desbravar o terreno que as ciências e as tecnologias ocupam actualmente.
De facto, nem se reconhece o valor da Filosofia (é-lhe reconhecido um valor meramente residual), desprezando a sua importância e valor no mundo, e ainda se tende a promover a Filosofia como uma disciplina elitista num mundo profundamente alfabetizado, onde as grandes obras filosóficas não estão escondidas das pessoas, mas encontram-se à disposição de todos nas bibliotecas públicas.
É preciso vontade e, por vezes, um pouco de ajuda para poder lograr o entendimento dos grandes pensadores do passado, mas o livro de Filosofia permite um diálogo que não se desactualiza nem perde sentido, mesmo tendo passados décadas, séculos ou milénios desde que a obra foi escrita. Porque a Filosofia não é a grande revelação, não é o choque, mas o diálogo entre iguais, vivos ou mortos, que se tornam cúmplices na sua mútua submissão à força da razão e não à razão da força.
Definitivamente, a Filosofia, enquanto promotora do verdadeiro diálogo e do debate produtivo, concede a oportunidade e a justificação para uma acção que se tem vindo a perder: falar consigo próprio, pensar.
E é esta a grande missão da Filosofia: assumir a necessidade que a humanidade deve pensar por si própria, sem dogmas pré-estabelecidos, suportando a crítica e a confrontação pacífica que leva ao progresso civilizacional, tanto do ponto de vista estético, como do ponto de vista moral ou político. E talvez seja este o motivo para esta desvalorização: quem se senta no poleiro do poder, não quer que se questione o modo que permitiu que chegasse a esse assento.