A distância da Travessa do Carvalho ao novo aeroporto
A secundarização do urbanista-arquiteto neste processo do novo aeroporto é preocupante. É intrigante que nem a Ordem dos Arquitectos nem uma das faculdades de Arquitectura estejam representadas.
“Num vértice está o arquiteto, esforçando-se por não renunciar a um projeto unitário do ambiente físico onde se desenvolve a vida de todos; daí partem muitas ligações à quantidade de problemas distribuídos pelos horizontes da cultura e da vida quotidiana.” Benevolo, in A Cidade e o Arquiteto.
Soubemos, com relativa pompa, que a localização do novo aeroporto será proposta por uma comissão técnica de peritos, que terá por sua vez uma comissão de acompanhamento que junta representantes institucionais, autarcas, um magistrado e dois bastonários, especificamente, da Ordem dos Engenheiros e da Ordem dos Economistas.
Não se tratando de uma mera localização, mas sim de uma opção com elevado impacto nos instrumentos de gestão territorial e nas respetivas cidades/regiões, é intrigante que nem a Ordem dos Arquitectos, através do seu colégio de Urbanismo, nem uma das faculdades de Arquitectura, e/ou respetivos centros de estudo, estejam representadas neste processo tão decisivo para o país. A perplexidade é maior para quem conhece os conteúdos pedagógicos dos cursos, dos mestrados, dos doutoramentos e as múltiplas disciplinas (obrigatórias) ligadas ao planeamento do território e às cidades.
Os pressupostos que ditaram a composição destas comissões indiciam uma visão ultrapassada, sustentada em ortodoxias disciplinares que não beneficiam uma visão do Portugal moderno. Reduzir a essência da mais significativa obra da década a uma vertente situada simetricamente entre a economia e a engenharia operacional (salvaguardadas as questões ambientais) é retroceder no caminho trilhado. E disso fala o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território quando, sobre modelos de governança, refere que o ordenamento do território e o urbanismo, concertadamente, deverão contribuir para a valorização dos espaços urbanos, tendo em vista resolver as deficiências dos territórios descontínuos, fragmentados e dispersos, reforçar a conetividade dos tecidos, reforçar centralidades estruturando sistemas policêntricos, promover a qualidade urbana em matéria de segurança, riscos, eficiência energética, mobilidade e incentivar a elaboração de projetos integrados de urbanismo.
Ora, é no âmbito dos urbanistas-arquitetos que encontramos o saber e a praxis que permitem compreender bem as implicações destas opções no planeamento do território. Importa uma visão holística, convergente sobre as dinâmicas urbanas, agregando sociologia, geografia, paisagismo, entre outras disciplinas com relevância contemporânea. Mas para isso é preciso que arquitetos e outros profissionais sejam intervenientes ativos nas políticas. Não basta ser espectador, crítico ou reativo aos factos consumados. Importa antecipar, exigir, intervir, desejar integrar o processo decisório.
A secundarização do urbanista-arquiteto neste processo é preocupante. A distância da Travessa do Carvalho ao novo aeroporto é cada vez maior e não se mede em palmos ou palmadinhas nas costas, mas sim em compromissos e demandas. Urge ter mais voz e menos retórica.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico