Proteger 30% do planeta para salvar a natureza? Não é assim tão simples

Há vários pontos polémicos em torno do objectivo de proteger 30% dos territórios marinhos e terrestres até 2030, que está a ser discutido na conferência da Convenção da Biodiversidade, em Montreal.

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Vaca-loura: a população global de insectos está a reduzir-se à taxa de 2% ao ano Adriano Miranda

Da exuberante floresta amazónica ao gelado oceano Árctico, as paisagens do mundo – e toda a vida selvagem – estão ameaçadas. É preciso preservar um terço de todos os territórios no mar e na terra para salvar a natureza, dizem especialistas das Nações Unidas.

Este apelo é uma parte central do acordo global que está a ser negociado na 15.ª Cimeira da Convenção da Diversidade Biológica (COP15) em Montreal, no Canadá. Espera-se que no fim da cimeira, a 19 de Dezembro, os países signatários da Convenção concordem em reservar 30% dos seus territórios para conservação da natureza até 2030. Isto duplicaria a área de terra firme e triplicaria a área de oceano protegida.

Mais de 110 países expressaram já o seu apoio a este objectivo 30x30, incluindo o Canadá, Estados Unidos, França e Portugal.

Os defensores da proposta dizem que atingir esta meta é crucial para reverter a destruição da natureza. Neste momento, mais de um milhão de espécies correm o risco de extinção. A população global de insectos está a reduzir-se à taxa de 2% ao ano e cerca de 40% das espécies vegetais que restam no mundo não têm a sobrevivência garantida.

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Uma manifestante numa marcha na abertura da COP15, em Montreal CHRISTINNE MUSCHI/REUTERS

Quantidade ou qualidade?

Mas como acontece frequentemente com políticas baseadas na ciência, os pormenores têm muita importância. “Como todos estes grandes eventos recheados de políticos, o risco é que queiram um número simples”, disse Stuart Pimm, biólogo da Universidade de Duke (Estados Unidos). “Os políticos gostariam de sair de Montreal a dizer que vamos proteger 30% do planeta. Mas isso não é suficiente”, sublinha.

Em causa está uma questão de qualidade e quantidade.

Não há um argumento científico suficientemente forte para justificar o limiar de proteger 30% do território para travar a perda de espécies, dizem os cientistas. Na realidade, seria necessário reservar uma quantidade muito maior da terra e do mar – ou menor –, dependendo das áreas de que estamos a falar.

Proteger 30% não é o necessário nem o suficiente”, disse Pimm. “Se fizermos bem as coisas, podemos proteger a maior parte da biodiversidade sendo espertos – protegendo as áreas mais importantes”, sublinhou.

Há a tentação, disse, de conservar vastas extensões de território onde não vivem muitas pessoas, mas onde a biodiversidade também não é muito grande, como a tundra no Árctico ou o deserto do Sara.

Mas o mais importante é proteger áreas com muitas espécies diferentes, conhecidos como “hotspots” de biodiversidade, mesmo que sejam locais mais difíceis de conservar porque vivem ali pessoas ou existem lá indústrias extractivas.

Proteger faixas restritas de terra ou de mar como a Grande Barreira de Coral na Austrália ou a cordilheira dos Andes pode compensar mais do que proteger grandes extensões de pradarias, por exemplo.

“Uma meta numérica não vai funcionar”, disse Pimm. “Se protegermos simplesmente 50% do planeta, e forem os 50% menos povoados, isso terá pouco impacto na protecção da biodiversidade.”

Um estudo de Junho de 2022 publicado na revista Science concluiu que seria preciso proteger pelo menos 44% do território em terra a nível global para conservar áreas com grande diversidade de espécies, evitar a perda de ecossistemas intactos e optimizar a representação de diferentes paisagens e espécies. Mas mais de 1800 milhões vivem nestas áreas.

No entanto, disse um dos co-autores deste estudo, Hugh Possingham, investigador na Universidade de Queensland, na Austrália, “embora não haja nada de mágico nos 30%, metas como esta ajudam a focar a atenção das nações”.

“Encaro os 30% como um objectivo que a maior parte dos países pode alcançar de forma razoável até 2030”, acrescentou Possingham. Alguns países, como o Butão, já ultrapassaram até este objectivo.

A nível global ou nacional?

Um dos principais pontos de tensão que surgiu em torno da meta 30x30 na COP15 é o debate sobre se esta meta deve existir a nível global ou nacional.

É uma distinção importante, dizem cientistas e negociadores. Alguns países são pequenos, sem muita terra que possam reservar para conservação da natureza. Outros são vastos e ainda têm um grau elevado de biodiversidade, como nações com florestas tropicais, como o Brasil e a Indonésia. Se estes países protegerem apenas 30% dos seus territórios, isso resultará numa preda significativa de biodiversidade.

“Alguns ecossistemas são mais diversos e mais frágeis”, disse Possingham. “Em locais como a Amazónia a fracção de território protegida tem de ser maior do que 30% para conservar a sua biodiversidade – e manter as funções do ecossistema que estabilizam o clima do planeta”, disse.

Neste momento, cerca de 50% da Amazónia está sob alguma forma de protecção oficial ou guarda de povos indígenas, portanto um compromisso nacional para conservar 30% seria uma redução significativa.

Outra disputa em torno do objectivo 30x30 tem a ver com o que deveria contar como protecção. Alguns países poderiam permitir a habitação dentro de áreas protegidas, ou promover a guarda destes territórios por povos indígenas. Alguns poderiam até permitir a existência de indústrias extractivas, sob autorizações especiais. Noutros casos, as áreas de conservação estariam vedadas a toda a gente.

A União Europeia propôs que fossem permitidas actividades como extracção de madeira, mineração e pesca sob gestão de entidades de conservação em 20% das áreas protegidas, enquanto 10% ficariam sob condições mais restritas.

A organização ambientalista Greenpeace reagiu acusando a UE na semana passada de estar a tentar diluir a linguagem relativa à meta 30x30, o que a União Europeia nega.

“Seja qual for a actividade que eventualmente possa acontecer nessas áreas, não deverá perturbar a biodiversidade e o funcionamento dos ecossistemas”, disse Ladislav Miko, representante especial da presidência do Conselho Europeu na COP15, numa conferência de imprensa na semana passada.