Após um sinal com a mão de um treinador, Delta e Reese começaram o exercício. Nadavam em direcções separadas e chamavam-se um ao outro debaixo de água, certificando-se de que o outro estava em boa posição para empurrar os seus narizes em forma de garrafa contra as docas.
Um apito fez com que os golfinhos soubessem que tinham conseguido apertar simultaneamente os dois botões nas extremidades opostas de uma lagoa, tão grande como um campo de ténis. A dupla apressou-se a voltar aos treinadores para a sua guloseima favorita: os peixes.
Mas o jogo, que Delta e Reese já jogaram dezenas de vezes, foi sendo dificultado por um barulho alto e estrondoso debaixo de água. Era parte de uma experiência no Dolphin Research Center, nas Florida Keys.
Os golfinhos precisavam de "gritar" para trabalharem em conjunto, concluíram os investigadores. Os resultados, publicados esta quinta-feira na revista Current Biology, mostram golfinhos a lutar para comunicar num ambiente com barulho, um sinal preocupante num altura em que sabemos que as pessoas invadem os oceanos da Terra com zumbidos, buzinas e outra poluição sonora estrondosa.
"Estes resultados realçam realmente a necessidade de estarmos atentos à forma como o ruído afecta as tarefas de grupo em animais selvagens", disse Pernille M. Sorensen, bióloga comportamental e candidata a doutoramento na Universidade de Bristol em Inglaterra, que co-escreveu o artigo.
As baleias param as suas canções
Em todo o mundo, grande parte da natureza já não é silenciosa. Aves, morcegos e outros animais que dependem do som para forragem e encontrarem companheiros estão cada vez mais desorientados num mundo com mais barulho resultante da actividade humana, alertam os cientistas.
Nem mesmo os parques nacionais são poupados. Alguns pássaros azuis estão tão stressados pela poluição sonora, mostra a investigação passada, que têm níveis hormonais semelhantes aos das pessoas com transtorno de stress pós-traumático.
Debaixo do mar, o tumulto do tráfego de barcos, da perfuração offshore e do sonar submarino pode ser uma sobrecarga sensorial para a vida aquática. Belugas mergulham para longe do barulho dos navios. Baleias cinzentas param as suas canções quando confrontadas com ruídos estrondosos.
Poucos dependem mais do som para compreender o seu mundo subaquático do que os golfinhos-roaz. O novo estudo está entre os primeiros a mostrar como a poluição acústica afecta a cooperação animal.
"Em geral, o ruído antropogénico tem sido estudado mais extensivamente em ambientes terrestres do que em ambientes aquáticos – em grande parte porque os seres humanos são terrestres e tendem a preocupar-se mais com os espaços em que vivemos", disse Caitlin Kight, uma professora na Universidade de Exeter que estudou a comunicação animal.
Conversa em "golfinhês"
Os golfinhos utilizam a ecolocalização para caçar e empregam um repertório de apitos agudos para comunicar, alguns dos quais funcionam como nomes próprios em "golfinhês". Foram encontrados machos em Shark Bay, na Austrália, a assobiar a companheiros de água.
No que respeita à forma com isto afecta os golfinhos, Delta e Reese têm a vida facilitada. Os instrutores ensinam-lhes há muito tempo exercícios que servem para a investigação, como jogar o jogo de empurrar botões ou outras tarefas para a alimentação.
Delta é "doce" e "sociável", segundo a especialista de investigação do centro, Abigail Haddock, que também co-escreveu o trabalho. Reese é "um aluno de 20 valores", diz. "Pode-se vê-lo como uma criança na fila da frente da sala de aula", disse Haddock. "Ele está sempre ansioso por ver o que se segue."
Equipados com gravadores de som, os golfinhos mudaram o comprimento e o volume dos seus sons e reorientaram-se para se conseguirem ver uns aos outros à medida que o som estático de um altifalante submerso ficava mais alto. "Eles levantaram as suas vozes, se preferirem dizer assim", disse Haddock.
Mas a equipa de investigação descobriu ainda que os golfinhos não podiam fazer muito mais para superar a poluição sonora simulada. A taxa de sucesso de Delta e Reese ao premir os botões dentro de uma janela temporal de um segundo caiu para pouco mais de 60 por cento quando o ruído estava no seu ponto mais alto, em comparação com 85 por cento quando a equipa de investigação não emitia nenhum som.
"Este é um comportamento sofisticado e complexo que, de certa forma, representa uma espécie de pináculo evolutivo", disse Kight num e-mail. "Esta investigação é muito sóbria porque revela que nós, humanos, causamos poluição sonora que provavelmente está a ameaçar estes tipos de interacções incríveis na natureza".