Esta segunda-feira, a actriz de Vertigo (1958), Kim Novak, faz 90 anos. Ela foi uma das últimas estrelas manufacturadas pela Hollywood clássica e foi catapultada para a fama com propósitos muito ambiciosos. Actriz da Columbia Pictures, a sua função de estrela era substituir a maior diva da companhia cuja carreira começava a declinar, a belíssima Rita Hayworth.
Como se não fosse impossível igualar-se a uma estrela de tamanha magnitude, Novak também foi a resposta loira à principal estrela da 20th Century-Fox, Marilyn Monroe (curiosamente, o verdadeiro nome de Kim é Marilyn). Não dá para competir com estas duas estrelas, os símbolos sexuais mais emblemático dos 40 (Hayworth) e dos 50 (Monroe).
Novak é uma das estrelas mais incompreendidas e subestimadas da sua geração. Por isso, é-me importante frisar o mérito que ela (certamente com a ajuda da Columbia) possui em ter conseguido criar um perfil bastante singular. Novak não chega a ser lindíssima, nem boa bailarina, nem tem salero como Hayworth. E também não tem o magnetismo, o talento e a vulnerabilidade de Monroe.
Todavia, sublinho, não é uma loira igual às outras. A começar por o seu cabelo platinado ser conjugado por reflexos lilases. A Columbia vendeu-a como a “Lavender Blonde”. Mas isto não é o que a torna particularmente diferente. Nos anos 50, tínhamos a bomba sexual vulnerável (Monroe), as imitadoras baratas de Monroe (Jayne Mansfield, Mamie Van Doren, ...), as sofisticadas (Grace Kelly e Lauren Bacall), as virginais (Doris Day e June Allyson) e Novak. Esta tem o corpo das outras loiras bombásticas “tipo Monroe”: é voluptuosa e tem um forte apelo carnal e explosivo.
Sucede que, ao mesmo tempo, há uma aura de decência, relutância e de qualidade etérea que não há em nenhuma das outras. Quem também tinha estas qualidades era Greta Garbo, o ídolo de Novak. Essa qualidade de mistério e sobrenatural está patente nalguns filmes: Vertigo, claro, mas também Sortilégio de Amor (1958), onde faz de bruxa (nunca esteve tão linda) e no kitsch A Lenda de uma Estrela (1968), onde faz de mulher aparentemente possuída por uma antiga estrela de cinema basicamente igual a ela no que toca ao aspecto físico (premissa semelhante a Vertigo).
Novak não fez muitos filmes. Alguns dos títulos das suas películas mais emblemáticas só têm (em inglês) uma ou duas palavras, sendo que a letra “P” está muito presente: Pushover (1954), Phffft (1954), Picnic (1955), Jeanne Eagles (1957) Pal Joey (1957) e Vertigo. Sem embargo, tem um punhado de películas bastante interessantes: Vertigo é uma obra-prima, mas depois também há o melancólico Piquenique, o subestimado A Meio da Noite (1959), o ousado O Homem do Braço de Ouro (1955), um dos primeiros filmes de Hollywood, senão mesmo o primeiro, a abordar o mundo das drogas.
O Querido Joey é um dos seus filmes que mais aprecio mas é notório como Novak está “fora de água”. Ela não canta como Sinatra e não dança como Haywoth. É demasiado estática para um musical, além de não ser uma actriz portentosa. Porém, não é assim tão má como os críticos da sua altura tendiam a considerar. Em Vertigo, foi muito competente e soube encarnar bastante bem a sofisticada e irreal Madeleine e a parola e carnal Judy.
Tinha um rosto muito singular, de traços vincados, uma estrela com uma qualidade lasciva muito háptica, mas que, ainda assim, tinha também algo de etéreo e de inacessível. Uma loira de Hitchcock de voz rouca capaz de causar vertigens.