É preciso acabar com os lucros do caos

As petrolíferas podem, de facto, celebrar o caos climático e o empobrecimento proporcionado pelo total dos seus 196 mil milhões de euros de lucros. E Portugal não está excluído desta festa.

Nas passadas semanas foram anunciados os lucros obscenos de 2022 das cinco maiores empresas petrolíferas do mundo. Estes foram os maiores lucros de toda a história da indústria fóssil, conseguidos às custas do aumento do custo de vida da população e da destruição do planeta.

As maiores somas foram registadas pela Exxon, que contabilizou 6.3 milhões de euros POR HORA, num total de 56 mil milhões de lucro puro. A Shell, por sua vez, nunca somou quantias tão elevadas desde a sua fundação há 115 anos. Chevron, Total e BP ora redobraram lucros, ora acumularam mais do que o necessário para ajudar a recuperar as comunidades mais vulneráveis às catástrofes naturais (o que não fizeram).

Estas empresas podem, de facto, celebrar sobre o caos climático e o empobrecimento proporcionado pelo total dos seus 196 mil milhões de euros de lucros. E Portugal não está excluído desta festa, já que esta semana foram anunciados os maiores lucros da história da Galp: 881 milhões, quase o dobro do ano passado.

Um momento épico para toda a indústria fóssil, uma tragédia para as restantes pessoas - quem paga os seus lucros como quem lida com as consequências catastróficas das suas actividades. O novo CEO da Shell, Wells Sawan, vangloria-se pela “capacidade de fornecer energia vital aos nossos clientes num mundo volátil”, afirmando que querem tornar-se cada vez mais baixos em carbono, mas que isso “tem de ser lucrativo”.

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David McNew/ GettyImages

O gás “natural” foi uma mentira rentável durante bastante tempo. Os ganhos com Gás Natural Liquefeito (GNL) superaram as expectativas, efectivamente. Mas não é novidade que o gás é tão fóssil como o petróleo ou o carvão e que, embora interesse tanto aos lucros destes gigantes, o gás aprisiona-nos aos caminhos que levam ao colapso.

Precisamos de cortar 50% das emissões de carbono até 2030, pelo que quaisquer planos que tenham combustíveis fósseis no centro da transição energética são armas contra a sobrevivência. O único motivo pelo qual estas empresas têm interesse em investir em energia renovável é por estarem articuladas com fósseis e compensarem o investimento com lucros de gás. O que é que isto quer dizer? As indústrias fósseis são senão a reiteração permanente de um sistema montado para nos falhar enquanto lucra massivamente.

Não nos enganemos, o gás que encanta governos, indústrias e lobbys como resposta à actual crise energética é a distração mais bem criada para premiar accionistas. Não nos enganemos, foram estas as indústrias que conscientemente nos levaram à crise climática em que vivemos. Não nos enganemos, eles sabiam. Nos anos 60, cientistas como Edward Teller advertiram a indústria fóssil acerca do perigo de aumento de CO2 produzido pela sua actividade.

Pela mesma altura, foram produzidos relatórios pelas próprias indústrias que previam os impactos catastróficos da exploração de combustíveis fósseis. O American Petroleum Institute (API) tornou-se um dos mais bem sucedidos grupos de lobbying ao transformar o cepticismo climático em senso comum. As campanhas de negacionismo climático avançaram no ataque à legitimidade da ciência. Foram tão bem sucedidas, que em 2022 estas indústrias que planeiam investir 1.5 biliões em novos projectos fósseis. E é possível, pelo andar da carruagem, que revertam em lucros.

A única forma desta longa carruagem do colapso parar é tomarmos as rédeas pelas nossas próprias mãos. Não vão ser estas indústrias a salvar-nos, quando foram elas a trazer-nos aqui. Os governos continuam a pactuar com os seus interesses ao darem luz verde a novos projectos de gás e ao não actuarem decisivamente para travar o colapso. Em vez disso, cortam impostos às indústrias fósseis para nós enfrentarmos a maior inflação desde que há Euro.

A pior das crises de aumento do custo de vida reflecte-se não só nas contas de electricidade e gás, mas também em todos os produtos que deles dependem para serem produzidos - desde comida a roupa. Os aumentos salariais não acompanham a inflação e as taxas de juro aumentam qual cereja no topo do bolo.

Estes predadores alimentam-se da nossa pobreza, para enriquecer os seus accionistas. Os seus lucros, tendo em conta a sua responsabilidade na crise climática que vivemos e no caos climático para o qual nos encaminham, são crimes. Os crimes mais consentidos e mais lucrativos da história. É por isto que devem ser parados.

A luta por electricidade 100% renovável até 2025, acessível a todas as famílias, será conquistada apenas com a mobilização de toda a sociedade. Sabemos que o conhecimento e a tecnologia existem, ao contrário de vontade política. Resta nos abrir alas à organização colectiva para que se transformem em acção. Como diria o actual Secretário-Geral da ONU, António Guterres, é necessário “disrupção para parar a destruição”.

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