Bullying e direitos das crianças e jovens: precisamos de um novo 25 de abril
Não existem “ex-vítimas”! As marcas físicas ou mesmo que realizadas “virtualmente” através dos dispositivos digitais nunca são virtuais, são bem reais, com impacto significativo nas suas vidas.
No mês em que se assinala a liberdade, a prevenção dos maus tratos na infância e o dia de sensibilização para o cyberbullying, 21 de abril, parece-me oportuno que nos unamos no objetivo de prevenir, combater e intervir nos comportamentos de bullying e cyberbullying em idade escolar.
Há vários anos que quem tem a causa antibullying como um propósito de vida defende a realização urgente de um diagnóstico nacional dos comportamentos de bullying e cyberbullying, procurando ter-se uma visão geral do país, mas também de cada distrito, concelho, agrupamentos de escolas e outros estabelecimentos não agrupados, como acontece em alguns casos no continente e nas escolas da Madeira e Açores, até porque, como sabemos, com a delegação de competências na área da educação nas autarquias, termos estes dados concretos, representativos e realistas, permitirá realizar intervenções mais específicas e coincidentes com cada contexto e/ou situação.
Sabermos quais os reais índices dos comportamentos agressivos entre pares e em que regiões são mais significativos, avaliarmos quais os tipos de bullying mais comuns, em que anos de escolaridade são especialmente frequentes, assim como conhecer quais os programas antibullying que possam já existir no terreno, como os do Projeto Bullying.pt, o da Associação No Bully Portugal ou o Programa Escola Sem Bullying, Escola Sem Violência, desenvolvido pela Direção Geral de Educação (DGE) em todo o país e de que forma(s) estamos todos a trabalhar no terreno nestas problemáticas, é algo fundamental e imprescindível nesta complexa missão de criarmos uma nova visão no que respeita à intervenção no bullying e cyberbullying em idade escolar.
É igualmente importante sabermos quais as taxas deste tipo de comportamentos nos clubes desportivos e/ou associações culturais ou outras organizações que trabalhem na área da infância e juventude, como são as casas de acolhimento residencial ou os centros educativos e que nos ajudem a criar e dinamizar projetos locais (pelo menos a nível concelhio), com base em dados recolhidos pela investigação, criando-se estratégias de prevenção, combate e intervenção nestes domínios que resultem numa maior colaboração e articulação com as estruturas centrais, como é o caso de alguns ministérios e serviços nas áreas da educação, saúde, administração interna, justiça ou outras entidades como o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), o Instituto de Apoio à Criança (IAC) ou a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção de Crianças e Jovens (CNPDPCJ).
Pode parecer-vos excessivo ou até despropositado “misturar” prevenção e combate ao bullying e cyberbullying e falar num novo 25 de abril, mas se pensarmos que tais comportamentos agressivos têm uma dimensão significativa, já que afetam uma em cada três crianças e jovens em idade escolar, talvez já não pareça tão exagerado. Não devemos esquecer que as vítimas de bullying e cyberbullying são os nossos filhos, sobrinhos, netos, alunos e muitas vezes quando estão a ser agredidos, verbal ou fisicamente, humilhados, ameaçados, postos de parte, expostos nas redes sociais, mesmo que em grupos restritos, estão perto de nós, por vezes no caso do online até podem estar no banco de trás do carro ou na assoalhada ao lado de onde estamos a ver a série televisiva da moda ou a responder a e-mails do trabalho, também nós agarrados a um qualquer dispositivo digital, esquecendo-nos que as nossas crianças e jovens “perdem-se” muitas vezes em casa, obviamente estamos a falar de risco ou mesmo perigo no que respeita aos direitos dos mais novos.
Quero também deixar-vos um alerta. Não existem “ex-vítimas” de bullying e cyberbullying! As marcas físicas ou mesmo que realizadas “virtualmente” através dos dispositivos digitais nunca são virtuais, são bem reais, com impacto significativo nas suas vidas, afetando ou mesmo hipotecando o seu desenvolvimento integral, condicionando o seu futuro, pessoal, familiar, social e profissional.
Outra questão importante é que os agressores deixem de ser vistos como “órfãos de pais e mães vivos”, ou seja, quem protagoniza este tipo de comportamentos agressivos entre pares não são apenas os “filhos dos outros”, muitas vezes as “más companhias” são os nossos e como tal, devemos agir em conformidade com esta evidência. É verdade que muitas vezes é um choque para as famílias verem os seus como agressores, até sabendo que esses comportamentos não coincidem com a educação e valores que lhes foram transmitidos, mas nas idades em que são mais comuns, principalmente entre os 13 e 15 anos, a pressão dos pares para que alguns adolescentes tenham determinada atitude, quase sempre como uma “prova” para serem melhor “vistos” pelos amigos ou se sentirem mais “enturmados”, é enorme e nestas faixas etárias mais valorizado do que a aceitação familiar é existir a validação dos amigos.
Quando se fala na necessidade de um novo 25 de abril é porque, apesar de estarmos todos cada vez mais informados e familiarizados com as questões do bullying e cyberbullying, persiste uma cultura de enorme tolerância e aceitação social, achando que quem tem este tipo de comportamentos são (sempre e apenas) crianças e jovens de bairros socialmente problemáticos, com evidentes problemas financeiros ou cujas famílias não estão devidamente empenhadas no ato de educar, negligenciando-os ou simplesmente passando-lhes valores desajustados a uma vida sã em sociedade. Por outro lado, também existe a ideia de que as vítimas são, na sua maioria, os miúdos mais tímidos e “bem comportados”, com melhores resultados escolares, com menos jeito para o desporto ou ainda com alguma caraterística física que o distinga mais dos pares. Nada mais errado.
O bullying e cyberbullying existem à escala mundial, em todas as escolas, assim como em muitos outros contextos onde interagem crianças e jovens, como os clubes desportivos, as associações culturais e outros, podendo-se afirmar, num tom mais ligeiro, que estes comportamentos agressivos interpares são extremamente “democráticos”, uma vez que os seus protagonistas são oriundos de todos os estratos sociais, desde famílias vistas como mais problemáticas, assim como de agregados que não revelam especiais dificuldades financeiras ou dificuldades no que respeita às competências parentais, e finalmente, estes comportamentos agressivos são “inclusivos”, uma vez que qualquer criança ou jovem pode ao longo do seu percurso escolar, desportivo ou outro, estar envolvido em situações de bullying e/ou cyberbullying, seja como agressor, vítima ou pelo menos, no papel de observador, sendo uma das estratégias mais poderosas no que respeita à prevenção, combate e intervenção nestes domínios, a capacitação destas crianças e jovens para que sejam elementos atentos e proativos nesta missão.
Defendo há muitos anos que os mais jovens devem ser envolvidos, desde o primeiro momento, nos processos em que são eles os protagonistas, deixando de os ver como parte do problema e essencialmente como a solução, sendo este novo olhar promotor dos direitos das nossas crianças e jovens.
Tal como há quase 50 anos, precisamos de um 25 de abril, um combate que se tem de fazer diariamente e sem quaisquer tréguas protagonizado por crianças e jovens, professores, técnicos, assistentes operacionais, pais, mães e outros responsáveis legais, órgãos de gestão dos agrupamentos escolares, dirigentes desportivos e de associações culturais, toda uma comunidade, em uníssono, a uma só voz.
Deixo-vos uma reflexão final: caso este compromisso não seja devidamente assumido como uma causa nacional, como podemos falar verdadeiramente em promoção dos direitos das crianças e jovens?
O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990