A coroação do rei Carlos desperta memórias da rainha de há 70 anos
Isabel, que morreu em Setembro passado aos 96 anos de idade, após 70 anos no trono, tornou-se rainha em 1952, após a morte do seu pai. Carlos III é coroado neste sábado.
Pamela Tawse tinha 18 anos e ainda usava o uniforme e a touca de enfermeira quando se dirigiu ao centro de Londres após o seu turno nocturno, ansiosa por vislumbrar a nova rainha Isabel no dia da sua coroação.
Foi o enorme crescendo de barulho que ela recorda hoje, aos 88 anos, piscando os olhos de alegria ao lembrar-se de uma época em que a Grã-Bretanha, ainda a suportar o racionamento de oito anos após o fim da Segunda Guerra, acorreu em força para ver a opulência e o glamour do início de um reinado histórico.
“Passámos as barricadas e a multidão era imensa”, conta Tawse.
“De repente, ouvimos um rugido enorme e soubemos que provavelmente a rainha estava a chegar”, recorda, com os olhos a brilharem com a memória através de uns óculos de aros dourados.
Tawse tinha decorado as arrastadeiras do hospital com fita adesiva vermelha, branca e azul, um pequeno símbolo da excitação que saudava Isabel, de 27 anos, como a nova Chefe da família real, no limiar de uma era tecnicolor.
Para Brenda Piper, que dormiu no passeio para garantir um lugar ao longo do percurso do cortejo, havia uma sensação de espanto perante o “espectáculo” da rainha a passar numa carruagem dourada.
“Esta era isabelina começou realmente assim”, diz, segurando uma fotografia a preto e branco de si própria com amigos, naquele dia. “A seguir foram os cafés, depois o esparguete à bolonhesa e depois as minissaias. Foi realmente um começo.”
Tawse e Piper foram duas das 12 pessoas que falaram à Reuters sobre as suas memórias da coroação da rainha, a 2 de Junho de 1953, antes da coroação, a 6 de Maio, do seu filho, Carlos III, com grande parte da mesma pompa e circunstância, mas com um cortejo reduzido e uma cerimónia mais curta.
Faziam parte dos cerca de três milhões de pessoas que alinharam no cortejo em Londres, que participaram em festas de rua, que assistiram pela televisão pela primeira vez ou que acompanharam a cerimónia a milhares de quilómetros de distância, nas então colónias britânicas.
Isabel, que morreu em Setembro passado aos 96 anos, após 70 no trono, tornou-se rainha em 1952, após a morte do seu pai: por tradição, há um intervalo de tempo entre a sucessão e a coroação.
Experiência inesquecível
Nem toda a gente ficou impressionada com aquele dia de 1953.
Olive Goldsmith, que é agora funcionária reformada do Conselho para os Refugiados, disse que a sua experiência foi moldada por dois amigos que lhe deram uma visão externa, tendo um deles passado a infância na Índia sob o domínio britânico e o outro vindo de Praga, que tinha sido ocupada pela Alemanha nazi.
“Ambos estavam muito intrigados em ver como se comportavam os ingleses” do Reino Unido, disse, acrescentando que não se lembrava de um espírito monárquico, uma vez que viviam numa zona conhecida pelos seus “princípios socialistas”.
Milton Job, na altura um escriturário no que era a Nigéria governada pelos britânicos, assistiu a uma celebração local onde as crianças da escola se juntaram aos chefes locais, patrões e oficiais expatriados. “Nunca o esquecerei”, declara.
Mais tarde, mudou-se para a Grã-Bretanha, esperando ficar lá apenas três anos, mas acabaria por ficar a viver em Londres até hoje, depois de ter criado laços no país.
“Esperava o melhor e, para mim, não fui distraído por nada que fosse negativo, embora não se possa simplesmente eliminar algumas pessoas que nunca viram um homem negro antes.”
Mas Job estava em Londres com um propósito: “Estávamos aqui para estudar, estávamos aqui com um objectivo.”
Eve Harewood, que tinha 13 anos quando acompanhou a coroação a partir de Singapura, disse que se lembrava de ter pensado que um dia gostaria de se mudar para Inglaterra. “Era algo que eu realmente queria experimentar”, sublinha. Mudou-se para a Grã-Bretanha quando estava na casa dos 30 anos.
Muitos dos que falaram com a Reuters recordaram o entusiasmo da época, vendo a jovem rainha como o símbolo de um novo começo para a Grã-Bretanha. E contrastam com o sentimento actual, em que os britânicos enfrentam a maior redução do nível de vida desde que há registos, na década de 1950.
Alex Falk, que trabalhou com os fotógrafos da coroação, lembra que a Grã-Bretanha tem vindo a cair na hierarquia internacional desde os anos 50, enquanto outros lamentam que o país e o seu tecido social tivessem tenha tanto. “Tenho pena da geração mais jovem de hoje”, diz Phillip Williams. “Acho que as coisas são provavelmente muito mais difíceis agora do que eram no meu tempo.”
Tal como outros, Williams planeia assistir à coroação de Carlos e, tal como outros, deseja felicidades ao rei. Mas está cauteloso: “Desta vez, devia ir com calma, especialmente com a minha idade”.