Joseph vive debaixo de água há 75 dias. E acha que os outros também deviam
Um investigador explora se é possível viver debaixo de água com testes no seu próprio corpo. Em 75 dias isolado numa cápsula subaquática, já sente melhoras no sono e na tensão nervosa.
Todos os dias, Joseph Dituri acorda por volta das 5h, dirige-se para o seu posto de trabalho e aproveita o sol que paira sobre ele. Este sol, no entanto, é uma almofada amarela com uma cara sorridente no meio. Dituri pendurou-a na parede para se lembrar do verdadeiro sol, que não vê há mais de 75 dias.
Dituri, investigador de Medicina Hiperbárica e professor associado da Universidade do Sul da Florida, tem estado a viver numa cápsula subaquática em Key Largo, na Florida, desde 1 de Março. Está a explorar se é possível viver debaixo de água através de testes diários ao seu cérebro, coração, pulmões e sangue.
No sábado — o seu 73.º dia no Jules’ Undersea Lodge — Dituri, de 55 anos de idade, acredita ter batido o recorde mundial para o período mais longo de vida debaixo de água. Mas continua determinado a viver submerso durante 100 dias para completar a sua experiência.
“Não se trata do recorde mundial”, disse Dituri ao The Washington Post. “Trata-se de viver debaixo de água e num ambiente isolado, confinado e extremo. O meu recorde é de 100 dias, mas é apenas porque não me podia dar ao luxo de passar 200 dias.”
Há muito que Dituri é fascinado pela água. Cresceu perto do oceano Atlântico em Long Island e esteve de serviço na Marinha dos EUA durante quase 28 anos antes de se reformar como comandante em Dezembro de 2012.
Naquela altura, fazia mergulho perto de Orange County, na Califórnia, quando disse ter visto um piolho-do-mar com quase 28 centímetros. Ele acreditava que todos os piolhos-do-mar tinham apenas alguns milímetros de comprimento. Ficou a pensar sobre que outras espécies poderia descobrir no mar.
Dituri sabia que era possível viver debaixo de água. Em 2014, dois professores do Tennessee ficaram no Jules’ Undersea Lodge, um hotel subaquático em Key Largo, durante 73 dias. Desde que observou os seus colegas militares sofrerem concussões durante as guerras no Iraque e no Afeganistão, Dituri tem estudado tratamentos para lesões cerebrais traumáticas. Perguntou-se se viver debaixo de água num ambiente pressurizado poderia ajudar as lesões cerebrais.
“Eu disse: ‘Temos de viver no oceano’”, expressou Dituri. “Toda a gente dizia: ‘Enlouqueceste.’ Eu estava reformado da Marinha, e eles diziam: ‘É isso. Perdeste o juízo...’”
Dituri precisava de mais diplomas para se tornar investigador, portanto obteve um doutoramento em Engenharia Biomédica na Universidade do Sul da Florida em Dezembro de 2017. Em 2019, ele e quatro amigos ficaram no Jules’ Undersea Lodge durante cinco dias para testar a vida subaquática. Mas Dituri queria ficar submerso mais tempo, e sozinho, para ver como o seu cérebro e o seu corpo reagiriam.
A pandemia do coronavírus interrompeu os seus planos de iniciar a experiência em 2020, mas Dituri decidiu que financiaria quase metade do projecto de cerca de 200 mil dólares este ano (o equivalente a cerca de 184 mil euros). A Marine Resources Development Foundation, uma organização sem fins lucrativos de Key Largo, também ajudou a financiar o projecto, explicou Dituri.
Antes de Dituri se submergir, os médicos registaram os seus sinais vitais, incluindo a tensão arterial, o colesterol, os níveis de cálcio, a inflamação muscular e a saúde das células estaminais. Ele também foi submetido a exames mentais (avaliação do nível e existência de ansiedade e depressão) com psicólogos.
Dituri reservou uma cápsula de 30,48 metros quadrados — com capacidade para uma pequena cozinha, casa de banho, chuveiro e um quarto de três por três metros — que fica a 6,71 metros debaixo de água. O alojamento recebe electricidade, oxigénio e água por meio de um cabo ligado a terra e um cabo de rede Ethernet ligado a um router em terra para aceder à Internet.
Dirturi cozinha e dá aulas debaixo de água
O investigador acrescenta que os seus colegas de investigação nadam até à cápsula para lhe entregar comida, incluindo ovos e salmão, num contentor pressurizado a cada três dias. Porém, Dituri só pode cozinhar num microondas devido ao aumento da pressão no mar. Ele também faz café Bustelo — marca norte-americana de café expresso — todas as manhãs. E continua a dar as suas aulas de Medicina Hiperbárica e Engenharia Biomédica virtualmente três dias por semana na Universidade do Sul da Florida.
Faz exercício com bandas de resistência e toma suplementos de vitamina D. Mas a sua principal investigação está a ser feita com testes no seu próprio corpo. Recolhe regularmente amostras de urina e submete-se a electrogramas, que registam a actividade cerebral e cardíaca.
Quando os médicos e investigadores visitam Dituri, analisam a saúde do seu sangue e dos seus órgãos. Ele também se encontra virtualmente com psicólogos e um psiquiatra para monitorizar a sua saúde mental. Dituri sai frequentemente da sua cápsula para mergulhar e acredita ter descoberto recentemente um novo organismo unicelular.
Efeitos positivos já podem ser sentidos
Dituri salientou que o seu colesterol e stress diminuíram, que passa mais tempo de descanso em sono REM ou profundo e que produziu células estaminais a um ritmo mais rápido. Quando sair da cápsula, a 9 de Junho, será submetido a testes exaustivos para ver como o seu corpo reagiu ao novo ambiente.
Ainda assim, Dituri sente falta do contacto humano. Só vê a namorada e as três filhas virtualmente, e, há pouco tempo, perdeu a festa de fim de licenciatura da filha do meio. No sábado, a mãe de Dituri, Maria, de 80 anos, fará um curso de mergulho para poder visitar o filho.
Dituri também sente falta do Sol. Costumava ver o nascer do Sol quase todas as manhãs depois de um treino, mas recentemente teve de se contentar com a sua almofada de sol. Embora anseie por essas experiências em terra, Dituri ainda deseja poder ficar mais tempo debaixo de água.
“Tudo o que precisamos está aqui”, expressou Dituri. “ … Agora sei. Preciso de informar toda a gente.”
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post