Nutrição enquanto arma antienvelhecimento: que potencial?

A venda de produtos “anti-aging” tem crescido à custa de uma promessa que muitos querem: a hipótese de atrasar o envelhecimento. Mas a ciência favorece mais as simples estratégias alimentares.

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É importante reforçar que a nutrição parece desempenhar um papel muito relevante na redução de vários problemas de saúde associados ao avançar da idade Polina Tarshilova/Getty Images
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O envelhecimento caracteriza-se por alterações fisiológicas nos diferentes sistemas e órgãos corporais, que podem resultar numa diminuição da sua função e num aumento da vulnerabilidade para a morte. Estas alterações fisiológicas, na sua globalidade, levam a fenómenos como uma menor acuidade visual e olfativa, perda de massa muscular, alterações no equilíbrio, doenças cardiovasculares, diabetes, demência, depressão, entre muitas outras.

A alimentação desequilibrada surge como um dos fatores de risco mais importantes para problemas de saúde pública como obesidade ou síndrome metabólica. Assim, urge questionar: que estratégias nutricionais apresentam capacidade de atrasar ou diminuir o risco de ocorrência de alguns fenómenos associados à idade?

Em primeiro lugar, é importante reforçar que a nutrição parece desempenhar um papel muito relevante na redução de vários problemas de saúde associados ao avançar da idade. Como tal, tem a capacidade de potenciar, não só, o número de anos de vida como a própria qualidade com que se vive.

A ciência publicada até à data mostra que certos padrões alimentares se associam a menor mortalidade e morbilidade. Este efeito parece dever-se a uma ingestão privilegiada de certos grupos alimentares, que são particularmente ricos em nutrientes cujo efeito fisiológico está já bem estudado. Portanto, as recomendações para um envelhecimento saudável podem passar mensagens mais gerais como “siga uma dieta Mediterrânica” ou por recomendações mais específicas como “ingira diariamente frutos oleaginosos e sementes, peixe, fruta e hortícolas”.

Também é muito frequente encontrarmos alegações sobre nutrientes específicos, como “o ómega-3 e o zinco são importantes nutrientes antienvelhecimento”. No entanto, ainda que seja tentador pegar em nutrientes e argumentar sobre os seus benefícios, esta prática pode conduzir a uma perniciosa extrapolação de conclusões. Porque, por mais que haja evidência experimental de que um nutriente esteja envolvido em importantes processos metabólicos, isso não significa que ingerir mais daquele nutriente, ou mesmo utilizar um suplemento que o concentre, traga benefícios clínicos relevantes.

Para além disso, para quem não é nutricionista, falar em nutrientes pode gerar (ainda mais) confusão, não conduzindo a mensagens claras e objetivas. Neste sentido, focar-me-ei principalmente na evidência sobre padrões alimentares promissores, assim como nas suas características, visto que têm uma maior capacidade preditiva de saúde relativamente a alimentos ou nutrientes isolados.

O peso da geografia

De acordo com as recomendações norte-americanas, uma alimentação saudável deve passar por privilegiar alimentos de grande densidade nutricional e dos vários grupos alimentares, em porções adequadas e de forma a que a ingestão energética não exceda o gasto individual. Nos últimos anos, alguns padrões alimentares com estas características, associados a zonas geográficas específicas, têm ganho algum interesse pela sua associação com uma reduzida morbilidade e aumento dos anos de vida. Dieta mediterrânica, dieta nórdica, e dieta japonesa são os melhores exemplos.

A dieta mediterrânica ficou famosa quando se verificou que a esperança média de vida nos países do sul da Europa era das mais elevadas mundialmente, com reduzida incidência de doença cardíaca isquémica, cancro e outras doenças crónicas. Esta caracteriza-se por uma grande ingestão de alimentos de origem vegetal, permitindo uma ingestão ocasional, e em porções moderadas, de alimentos de origem animal; defendem como base alimentar os pratos coloridos e repletos de hortícolas, fruta fresca como sobremesa, frutos oleaginosos (como nozes, avelãs ou amêndoas) e sementes como snacks ou incorporados nas grandes refeições, uma aposta diária em cereais integrais, leguminosas e laticínios, assim como a utilização de azeite como principal fonte de gordura. Sugerem ainda uma ingestão de 2 a 3 vezes por semana de pescado, assim como 2 a 4 ovos por semana. Carnes vermelhas e produtos ultra-processados são desencorajados. A isto acrescenta-se um grande respeito pela sustentabilidade, sazonalidade e toda a cadeia de produção, incentivando-se a compra de alimentos a produtores locais.

E, ainda que a base de uma dieta seja a ingestão alimentar, sobra ainda espaço para recomendações de estilo de vida, incentivando-se o descanso e a atividade física, assim como a valorização das refeições em família e pela passagem geracional de receitas e técnicas culinárias. Os benefícios da adoção da dieta mediterrânica estão bem documentados, sendo o padrão alimentar com maior corpo de evidência. Infelizmente, a adesão às recomendações do padrão é cada vez menor, mesmo entre os que vivem nos países que lhe deram origem.

O Japão, por sua vez, detém vários recordes anti-aging, dos quais se destacam ser o país com maior proporção de centenários e maior esperança média de vida. Ainda que todo o componente social e de estilo de vida possa ter uma grande preponderância nestes números, a ciência mostra que a sua alimentação poderá explicar uma parte do sucesso. Caracteriza-se fundamentalmente por uma aposta diária e substancial em hortícolas, pescado, arroz, leguminosas (com a soja em destaque), chá verde e algas, com respeito pela sazonalidade. Têm ainda uma filosofia interessante, que sugere que todas as refeições devem ser finalizadas quando se está saciado a cerca de 80%, moderando desta forma a ingestão energética.

Este padrão alimentar associa-se a uma baixa incidência de doenças cardiovasculares e doenças neurodegenerativas, parecendo ser a grande quantidade de ómega-3 um dos fatores com maior preponderância. Mas nem tudo parece ser favorável nestes hábitos alimentares, sendo o grande consumo de sal um dos seus pontos mais criticáveis. Há, inclusive, dados que mostram um maior risco de hipertensão e doenças cerebrovasculares em áreas metropolitanas japonesas, que a este grande consumo de sal associam o tabagismo, o stress e um grande consumo de bebidas alcoólicas.

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A dieta mediterrânica ficou famosa quando se verificou que a esperança média de vida nos países do sul da Europa era das mais elevadas mundialmente POLINA TARSHILOVA/GETTY IMAGES

A dieta nórdica foi caracterizada mais recentemente, com o objetivo de representar os hábitos alimentares saudáveis de cinco países: Dinamarca, Suécia, Finlândia, Noruega e Islândia. Caracteriza-se pela aposta numa elevada ingestão de pescado, brássicas (espécie que agrega os vários tipos de couves), vegetais de raiz (batata, beterraba, cenoura, cebola, alho, aipo, nabo, entre outros), maçãs, peras e frutos do bosque, cereais integrais e laticínios magros, utilizando óleo de colza como principal fonte de gordura. Ainda que, por ser muito recente, não haja tanta evidência dos seus benefícios, há já trabalhos que mostram uma associação inversa com doenças cardiovasculares e diabetes, assim como com alguns tipos de cancro e doenças neurodegenerativas.

Ora, quem leu com atenção o que foi escrito sobre estes três padrões já se terá apercebido de um facto curioso: ainda que geograficamente muito distantes entre si, estes têm vários pontos em comum. Destaca-se o incentivo ao consumo de hortícolas, fruta fresca, pescado, leguminosas, cereais integrais, frutos oleaginosos e sementes, assim como uma limitação no consumo de alimentos de origem animal, estando a carne no centro das atenções. Sendo Portugal um dos países com uma cultura alimentar mediterrânica mais forte, faz sentido que a assumamos como base orientadora, ficando a certeza de que não estaremos longe do que outros padrões preconizam. Todas as estratégias nutricionais anti-aging que passem disto (suplementos milagrosos, tratamentos inovadores ou alimentos-fetiche com nomes difíceis de pronunciar) devem ser olhados com algum cuidado. Porque se realmente tivessem evidência sólida que os suportasse, já haveria consenso científico e recomendações publicadas. Foquemo-nos no básico, pelo menos até que nos provem que estamos errados.

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