Fazer o reconhecimento biométrico pelos sinais do coração

As palavras-passe já passaram de moda pela sua falta de segurança, e a impressão digital para lá caminha. E se a tecnologia te pudesse reconhecer através da atividade cardíaca medida nas tuas mãos?

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Representação da biometria através dos sinais do coração Bob Wilder/Universidade de Buffalo
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Na sociedade atual, várias instalações e entidades dependem de sistemas de reconhecimento humano para proteger e guardar informações, bens pessoais e a nossa privacidade. Falamos de websites, smartphones, cofres, edifícios, bancos, aeroportos, entre outros exemplos do quotidiano. E muitos desses ainda utilizam métodos tradicionais, como as palavras-passe. No entanto, estudos indicam que cerca de 50% das pessoas utiliza a mesma palavra-passe para diferentes serviços, e cerca de 80% das situações de hacking ocorrem devido a uma má gestão das palavras-passe. Isto é o principal motivo para o crescente interesse no campo do reconhecimento biométrico.

Talvez não estejamos completamente familiarizados com o nome, mas estamos, com certeza, com o conceito. Lidamos com ele todos os dias, nos nossos telemóveis, quando os desbloqueamos com o nosso dedo ou a nossa cara. O reconhecimento biométrico consiste no reconhecimento automático de pessoas com bases nas suas características fisiológicas ou comportamentais.

A impressão digital é, de facto, o método biométrico com maior aplicabilidade no nosso mundo, mas, na verdade, não é tão seguro quanto nós pensamos. No nosso dia-a-dia, deixamos as nossas impressões digitais em diversos objetos em que tocamos, o que torna relativamente fácil para um hacker, com algum conhecimento na matéria, obter essas impressões e fazer uso delas para forjar acessos com base na nossa identidade.

Sinais do coração são únicos de cada pessoa

Devido a estas limitações, a investigação científica tem caminhado para uma nova e surpreendente tecnologia: o reconhecimento biométrico através da atividade cardíaca. Assumo que a maioria dos leitores já fez um eletrocardiograma, tipicamente chamado ECG, para monitorizar a sua saúde cardíaca. Acredito ainda que parte dessa maioria não tem noção da quantidade de informação que esse exame contém, bem como do que se pode fazer com ela.

Falamos de um sinal completamente único e singular a cada pessoa, pelo que não haverá dois sinais iguais no mundo. Falamos também de um sinal gerado no interior do nosso corpo, pelo que não corremos o risco de ir deixando vestígios, como acontece com a impressão digital, sendo por isso difícil ou mesmo (até ver) impossível de roubar ou falsificar. Desta forma, o ECG tornou-se um excelente candidato para a biometria.

A nossa proposta de investigação passa exatamente por desenvolver um sistema de reconhecimento de indivíduos através de sinais ECG. Trata-se de um projeto multidisciplinar que combina tópicos de engenharia biomédica, engenharia de materiais, eletrónica, processamento de sinal e inteligência artificial (IA). E então como é que isto se faz?

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A investigadora Teresa Pereira DR

O processo pode dividir-se em três fases principais – a aquisição dos sinais, a extração de características importantes e o reconhecimento da identidade. Antes de mais, é necessário garantir uma recolha de sinais rápida, contrariamente ao que acontece em ambiente hospitalar, onde o processo é demorado e requer a colocação de vários elétrodos no corpo.

Para tal, propomos uma recolha mais simples e prática, com o desenvolvimento de um sensor capaz de adquirir os sinais ECG nos dedos das mãos, à distância de um toque de apenas alguns segundos. Posto isto, segue-se um processo de extração de características relevantes do sinal, características essas que podem ser frequências cardíacas ou mesmo determinados pontos do sinal. Estas características, extraídas através de técnicas de processamento de sinal, são únicas para cada indivíduo e serão, por isso, utilizadas para ensinar o algoritmo de IA a reconhecer, automaticamente, a identidade da pessoa.

A nossa ideia passa, então, pelo desenvolvimento de um sistema inteligente com um sensor integrado, capaz de analisar um ECG recolhido através do toque de um dedo, e fornecer uma resposta de identidade em apenas alguns segundos, permitindo uma autenticação rápida e eficiente.

Conseguimos já imaginar esta solução aplicada em diversos cenários do nosso quotidiano. Além de oferecer um método de acesso seguro a edifícios, também poderia ser implementado em smartphones, como substituição da impressão digital, para desbloqueio e autenticação de utilizadores. Mais ainda, em carros… imaginem que esta tecnologia permitia identificar o motorista e permitir o acesso e funcionamento do veículo apenas a pessoas autorizadas para tal. O futuro da biometria com ECG é, de facto, promissor.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

Membro do Instituto de Biofísica e Engenharia Biomédica (IBEB) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e estudante de doutoramento em Engenharia Informática na Universidade de Aveiro

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