Rede de teatros: impacto inicial e desafios

A criação desta nova rede cultural tem sido fundamental para um conhecimento mais profundo e transversal do ecossistema programático das artes performativas numa escala nacional.

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A primeira fase de implementação da RTCP – Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses, compreendida entre Maio de 2021 e Junho de 2023, tem funcionado como um importante barómetro nacional do ecossistema programático, permitindo, pela primeira vez, radiografar, com maior profundidade, rigor, transversalidade e grau de actualização, os equipamentos culturais de artes performativas existentes e sua organização, recursos, histórico, dinâmicas, vitalidade e impacto nos territórios de implantação.

O processo de credenciação revelou que dos 88 espaços de programação já integrados na rede – e salvo as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, onde se regista(ria)m mais equipamentos – as comunidades intermunicipais da Região de Aveiro (8), Região de Coimbra (6), Algarve (6), Alentejo Central (5) e Médio Tejo (5) são as que apresentam um maior número de espaços credenciados, ou seja, de equipamentos dotados de um conjunto de requisitos específicos (licenciamento, recursos humanos e gestão, instalações e equipamentos, e garantia de acesso público) que os posicionam, à partida, num patamar de maior estruturação organizacional e funcional.

A região do Alentejo – “exceptuando-se” a sua zona central (5), onde, inclusive, está a nascer a Capital Europeia da Cultura 2027 (Évora) –, bem como a Beira Baixa (1) e sobretudo as zonas do Alto Tâmega, Tâmega e Sousa (estas duas sem qualquer equipamento integrado), Terras de Trás-os-Montes (1) e as regiões autónomas da Madeira e Açores (um equipamento credenciado em cada uma), surgem, à luz destes dados, como territórios globalmente com menor “musculação” e densidade culturais, não obstante a existência de alguns epicentros relevantes nessas zonas.

Daí também que mecanismos de discriminação positiva – como o recente Programa de Apoio em Parceria – Arte e Coesão Territorial lançado pela DGArtes – sejam fundamentais para corrigir assimetrias, fomentar a coesão e dotar estas regiões de maior centralidade cultural e vitalidade artística.

A credenciação encetada pela RTCP – processo que prevê, em portaria, em termos de mens legis, um balanço entre uma abertura desejável e uma flexibilidade controlada – permitiu ainda perceber mais em malha fina outros aspectos essenciais: as opções e “modelos” em que está estruturada (ou não) a vertente da direcção artística/programação cultural dos espaços, já que a rede estimula e valoriza quer a existência de um perfil, formação e experiência adequados a essa função específica, quer a sua autonomia, a nível interno, para elaborar e executar os planos propostos (pedagogia e capacitação em que é vital continuar a apostar); a composição das várias equipas adstritas aos equipamentos e, assim, as principais lacunas e fragilidades em termos de qualificação (um dos principais denominadores comuns: as áreas especializadas da técnica, da mediação e da comunicação/marketing culturais são das mais deficitárias); e as condições existentes no tocante à garantia de serviço público, com especial ênfase para a apologia de boas práticas no campo da acessibilidade física, social e intelectual (área em que ainda há um longo caminho a percorrer).

O surgimento da RTCP veio contribuir para uma maior sensibilização política e pública para estas temáticas, as quais se revelam essenciais para elevar a fasquia da exigência, credibilizar e nivelar por cima as estruturas, espaços, profissionais e dinâmicas culturais e artísticos associados a esta nova rede cultural.

É importante, por isso, que a Direcção-Geral das Artes (DGArtes) garanta um acompanhamento contínuo e rigoroso da manutenção, durante todo o ciclo quadrienal, das condições que presidiram à concessão do apoio financeiro. Como qualquer outro instrumento inédito e recente, a rede de teatros constitui um processo dinâmico, um work in progress, que carece de tempo para se consolidar, que sofre(rá) de naturais “dores de crescimento” e que necessitará das afinações e reformulações que se julgar pertinentes e oportunas.

Quanto ao primeiro concurso de apoio à programação da RTCP, realizado em 2021 – que apresenta uma periodicidade bienal para um ciclo de apoio quadrienal, algo novo nos programas da DGArtes e que permite que mais e diferentes entidades possam vir a integrar o sistema num menor intervalo temporal –, o resultado desvelou um universo contemplado de 38 entidades culturais (eram 39, tendo o município da Guarda abdicado do apoio estatal), distribuído de um modo abrangente e plural pelas várias zonas do território continental, a que se juntou o caso da Madeira, com uma entidade financiada no Funchal, o Teatro Municipal Baltazar Dias – isto num total de 57 candidaturas iniciais. A lista de entidades culturais apoiadas pelo primeiro concurso acabou, assim, por incorporar, com algumas excepções, muitos dos principais e mais robustos espaços de programação regular em termos nacionais.

Em termos macro – e fazendo uma leitura cruzada/conjugada entre os resultados da credenciação e do apoio à programação –, verifica-se, como, aliás, já era perceptível anteriormente no milieu cultural, que as regiões do Alto Minho, Aveiro, Cávado, Coimbra e Algarve têm vindo a afirmar-se, paulatinamente, como territórios criativos com uma particular efervescência e crescimento culturais nos últimos anos, dotados de uma notória profusão e diversidade de equipamentos no campo das artes de palco, e apresentando uma oferta artística continuada, intensa, abrangente e diversificada. Coimbra surge mesmo, até à data, como o concelho do país com mais equipamentos culturais credenciados (quatro; e também apoiados financeiramente, neste caso três), seguindo-se Braga, Faro e Évora, cada um com dois espaços credenciados.

É, contudo, de destacar na lista de entidades contempladas um conjunto de outros projectos programáticos, de micro-média escala, dotados de maior ou menor antiguidade e visibilidade mediática, e denotando diferentes recursos, pulsações e focos – alguns deles sediados em geografias mais “silenciosas” e/ou habitualmente designadas como “periféricas” –, que estão a desenvolver um trabalho igualmente consistente, estruturado e eficaz nos seus territórios-comunidades.

São exemplos disso, entre outros, o Teatro Municipal de Ourém (alvo de um projecto de requalificação estrutural nos últimos anos) e o Teatro Municipal Baltazar Dias, no Funchal, o Theatro Gil Vicente (Barcelos) e a Casa Municipal da Cultura de Seia, o Centro Cultural de Paredes de Coura e a Academia de Música de Espinho, bem como o Cine-Teatro Paraíso (Tomar), o Cine-Teatro São Pedro (Alcanena) ou o Cine-Teatro João Verde (Monção).

Neste mês abre um segundo concurso de apoio à programação, para o período entre 2024 e 2027, para o qual existe, em termos de candidaturas, um universo potencial de 50 entidades culturais credenciadas. Para além de algumas estruturas mais conhecidas e consolidadas – que, não integrando ainda o núcleo dos equipamentos já financiados, irão concorrer provavelmente aos patamares mais altos –, este procedimento concursal reveste-se de particular importância para espaços de programação de pequena-média escala, de modo a permitir uma ainda maior disseminação e consolidação territoriais da rede, o que se afigura especialmente relevante para zonas onde ainda existem poucos (ou até nenhuns) equipamentos apoiados.

Artigo alterado com mudança de título e rectificação no último parágrafo

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