Desligar uma chamada de forma repentina é quase tão inaceitável como abandonar uma conversa presencial a meio. Estranho é também ter de escrever “presencial” para definir uma forma de conversar em 2023, mas só porque existem demasiadas formas de nos evitarmos uns aos outros. E por falar em estranho, 99% do final de uma chamada é meio estranho. Seja com amigos, família, ou qualquer call center.
No cenário da família, porque “os amigos são a família que escolhemos” (sejam fortes, não vomitem com o cliché), há sempre uma pessoa que tem pouco interesse em manter a conversa por mais de dois minutos, mas atende porque também é uma forma de carinho. A conversa começa e, assim que o primeiro tema se esfuma, surge o primeiro “então, vá”. Todos sabemos o que isto quer dizer, certo?
Quem quer que seja a pessoa que o diz, porque nem sempre quem atende é quem menos gosta de falar, está só a ser educado para dizer “não me apetece mais, posso desligar sem chatices ou repercussões?” E ainda está para chegar a primeira chamada que acaba no primeiro “então, vá”. O que é estranho é que todos sabemos este código de simpatia, mas quando somos nós a querer conversa, por qualquer motivo que seja, esquecemos a sua existência.
É como esquecer que temos de parar em semáforos vermelhos quando temos pressa, mas quando não andamos em contra-relógio até travamos no amarelo. É este o estigma do “então, vá”. Nunca serve duas pessoas ao mesmo tempo.
Para amigos e família já temos solução para evitar chamadas longas quando todos temos milhares de minutos a mais no tarifário. E quando atendemos um call center, o que fazer? “Então, vá” são duas palavras desprovidas de sentimento ou emoção, contudo, são demasiado íntimas para aplicar a quem não conhecemos. Sendo assim, não faz falta uma linguagem universal para poder desligar elegantemente sem ter de ouvir uma venda que raramente queremos comprar?
Sim, há aplicações para nos avisar de que a chamada não é interessante nem importante, que é de um call center de uma operadora, banco ou de produtos inovadores como pantufas de verão e sungas de inverno. O critério é quase único e unânime: só queremos chamadas de quem nós conhecemos e da nossa lista de contactos, mas muitas vezes nem essas queremos atender.
“Obrigado. Obrigado, mas não estou interessado. Não, obrigado. Não, não estou interessado, obrigado!” Assim de repente, parece demasiada gratidão, mas não acredito que alguém tenha ficado com essa ideia. Até porque, em princípio, todas aquelas frases já nos saíram da boca. O primeiro “obrigado” pode parecer cordial e simpático, mas a partir do terceiro já cheira a desespero até para quem não tem olfacto.
A crónica aproxima-se do fim e seria agora que podia apresentar a solução, certo? Sim, mas não a tenho. Na prática, este texto e quase todas as chamadas telefónicas são iguais a um aspirador defeituoso: fazem barulho, mas não resolvem nada.