Porque é que os bolsos são inexistentes (ou inúteis) nas roupas para mulheres?

Os bolsos são um detalhe inconstante na roupa pensada para mulheres. Os papéis de género e a própria moda podem ser explicações para o porquê de as mulheres não terem direito a bolsos.

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Nas roupas pensadas para mulheres, os bolsos que se podem encontrar são pequenos, falsos ou inexistentes. Em 1954, Christian Dior terá dito que “homens têm bolsos para guardar coisas, mulheres para decoração” — e esta pode ser uma mentalidade que ainda não deixou a indústria.

Um estudo da plataforma de jornalismo visual The Pudding concluiu que, em média, os bolsos frontais de calças femininas são 48% mais curtos e 6,5% mais estreitos do que os de calças masculinas. O mesmo estudo testou se certos objectos cabiam nos bolsos das calças e revelou que, no caso de carteiras feitas especificamente para caber num bolso, só 40% cabiam em calças femininas, enquanto todas as carteiras cabiam nos bolsos das calças de homem. O mesmo com os telemóveis. Além de objectos, olharam para as mãos: as maiores só cabiam em 5% das calças de ganga para mulheres.

“A primeira ideia de bolsos surge no século XVI no vestuário masculino”, começa por explicar Catarina Rito, professora de História da Moda na Universidade Lusófona do Porto. Até então, homens e mulheres carregavam algibeiras, “bolsas para pôr os bens mais preciosos”, que eram amarradas à cintura “por cima ou por baixo” das roupas. Quando foram criados, os bolsos eram incluídos apenas nas roupas de homens e consistiam em “aberturas laterais onde eram atadas ou cosidas bolsas para colocar os pertences”, nas mulheres o vestuário foi adaptado de forma que as algibeiras fossem cosidas entre saiotes e ainda fossem acessíveis.

A Revolução Francesa trouxe alterações ao vestuário feminino: em vez dos vestidos com diversos saiotes, foram adoptados vestidos mais justos. Foi assim que surgiram as bolsas de mão.

A “grande introdução [dos bolsos] no vestuário feminino surge no final do século XIX, mas o grande reflexo é no século XX”, explicou Catarina Rito. Esta foi uma época em que a “dinâmica feminina muda”, com o movimento sufragista a ganhar forma e com o “surgimento das guerras na Europa” que levaram a que mulheres assumissem “papéis [até então] masculinos” e desejassem usar “peças mais confortáveis e semelhantes às dos homens”. A partir daí, o bolso “começa a entrar no vestuário feminino e nunca mais saiu”.

A diferença de papéis atribuídos a homens e mulheres é uma das possíveis explicações para que os bolsos não tenham sido incorporados nas roupas femininas quando foram criados. Segundo Catarina Rito, “o homem sempre teve um vestuário muito mais prático”, e os bolsos eram um “acessório da própria peça que facilitava o uso dos seus bens mais preciosos”, guardando-os de uma forma mais discreta. Enquanto os homens desempenhavam um papel mais activo na sociedade, as mulheres assumiam a “função de cuidadoras”, o que pode ter ditado se eram colocados ou não bolsos na roupa.

A investigadora considera que o “bolso não foi erradicado de todo do vestuário feminino”, e, actualmente, a sua inclusão trata-se apenas de “uma opção de quem cria” e que tem em consideração o “que se pretende que a peça tenha como imagem”. Utilizar um bolso, ao "colocar as mãos, ou pôr coisas", acrescenta volume às peças de roupa e, para não "criar ruído no design", não é, por vezes, incluído. A mesma lógica é aplicada para bolsos falsos, que são colocados quando a “estética faz sentido” para a peça.

Um estudo feito pela YouGov no Reino Unido, em 2020, revela que, enquanto 33% das mulheres preferem um vestido com bolsos, apenas 4% só comprariam um vestido se tivesse bolsos. As conclusões revelam também que 30% das mulheres afirmaram não ter preferência e 27% disseram preferir sem bolsos. Para calças, 80% disseram preferir com bolsos, 10% responderam não ter preferência e 8% admitiram preferir não ter.

Um detalhe atado à tendência

A Pivotte Studio é um dos exemplos de marcas com a preocupação de incluir bolsos nas roupas femininas. A marca foi criada por Evelyn Frison e Yehua Yang, que tinham o objectivo de criar calças femininas que fossem confortáveis, pudessem ser usadas em diferentes ocasiões e incluíssem bolsos com um tamanho que os tornasse utilizáveis. À Fast Company, Frison admitiu que, com as suas peças, “muitas mulheres já não precisam de carregar uma bolsa”, pois podem distribuir “a carteira, o telemóvel e as chaves pelos bolsos e sair porta fora como um homem”. A Argent é outra marca criada a pensar nas necessidades das mulheres. Sali Christeson fundou a marca acreditando que "a falta de bolsos nas roupas impacta a produtividade das mulheres no trabalho".

Em Portugal, Laura Nogueira criou a Oui Kiki, que se foca em criar “roupa para o quotidiano”. Na sua experiência de três décadas na indústria da moda, a designer de 51 anos percebeu que havia falta de marcas “para pessoas reais” e um desejo das mulheres por vestuário confortável.

Na sua última colecção, praticamente todas as peças incluem bolsos, com a excepção de dois vestidos de seda, e são feitas com “tecidos que não precisam de ser passados a ferro”. A designer procurou incorporar bolsos nas peças de todas as suas colecções, que afirma serem pensadas para quem tem um dia-a-dia intenso.

Os anos na indústria da moda fizeram Laura Nogueira perceber que a “praticidade não é um cuidado”, uma vez que as marcas “seguem a tendência e não aquilo de que a mulher precisa”. Mais: “Nunca houve uma preocupação com o conforto” e a moda “não é para a mulher real”.

“Quando pensadas, nas [calças] masculinas há obrigatoriamente bolsos”, afirma a designer. No entanto, o mesmo não se verifica nas femininas. A criadora da Oui Kiki explica que, para certos modelos de roupa, é possível incluir bolsos, no entanto há marcas que não o fazem, pois “tira o feminino” da roupa. Ou seja, a indústria continua a focar-se mais na estética e não nas necessidades práticas das mulheres. Manter a elegância em alguns formatos de calças e incluir bolsos onde caibam objectos exige “mais trabalho”, especialmente nas fábricas e na chamada fast fashion, além de sair “mais caro”.

Este ano, marcas do sector de luxo como Fendi, Miu Miu, Proenza Schouler, The Row e Bottega Veneta apostaram em colecções que incluem bolsos. O regresso das calças cargo é uma das explicações para o retorno deste detalhe no vestuário feminino. No entanto, se vai manter-se ou não, só as tendências dirão.


Texto editado por Bárbara Wong

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