O país em causa, conhecido por ser um Estado que decapita opositores na rua, condena homossexuais à morte, espanca mulheres grávidas em público porque deixaram um calcanhar espreitar por debaixo da saia, assassina jornalistas e desmembra os corpos, entre outros tipos de barbaridades medievais, encontra-se numa encruzilhada económica.
O petróleo (que representa 46% do PIB saudita) começa a deixar de ser um negócio lucrativo com a escalada global do mercado das energias renováveis. Esta fragilidade coloca a estabilidade interna e externa do país em risco máximo. As hipóteses da pobreza repentina gerar revoltas populares são altas, e as hipóteses de o país ver a sua soberania em risco por parte dos seus vizinhos e rivais também é alta. Geopoliticamente, o país encontra-se rodeado de conflitos e tumultos, uma economia fraca significaria uma defesa fraca contra actores externos.
O novo dono do poder, Mohamad bin Salman, entendeu que era necessário transformar a imagem do país. Concedeu às mulheres o direito de conduzir e mais duas ou três liberdades sociais para vender manchetes no ocidente, e abriu Riade às câmaras de televisão, quando no fundo, o regime bárbaro e medieval que mata, oprime e persegue o próprio povo persiste na sombra.
É este o plano: montar um megalómano espalhafato mediático em torno do país, atraindo as grandes estrelas do futebol, golfe, fórmula 1, e por aí adiante. Campanha de marketing esta que ambiciona fazer pegar de estaca a ideia surreal de que o país vai em direcção aos valores humanistas ocidentais. Criar esta ilusão de que Riade é a nova Abu Dhabi é a mais recente operação de despejo de areia nos olhos a que temos estado recentemente a assistir.
Parece estar a resultar. Assistimos diariamente à bizarra glorificação da artificial liga saudita, a corrida de fórmula 1 é seguida por milhões de espectadores, o mesmo acontece nos restantes eventos. Tudo para criar esta aura de país modernaço e instagramável, de modo a atrair investimento estrangeiro que faça urgentemente entrar capital num país que deseja ardentemente manter viva a sua medieval monarquia absolutista, liderada por tiranos de modos bárbaros e grotescos.
É decepcionante ver altas figuras do desporto internacional não se manifestarem minimamente perante este claro branqueamento da barbárie por via da cegueira desportiva e desta táctica dissimulada de “panem et circenses”.
Colaborar com a operação de branqueamento da barbárie é colaborar com um Estado que financia indirectamente organizações terroristas como Al-Qaeda, Estado Islâmico, Al-Nusra entre outras. Organizações responsáveis por fazer correr sangue nas ruas das nossas cidades europeias. Vestir uma camisola a dizer “Je suis Charlie” para, anos mais tarde, estar transformado numa marioneta colaboradora dos financiadores do terrorismo é angustiantemente horroroso, trágico e hipócrita.
Significa isto que estes desportistas ou nunca quiseram saber das vítimas do terrorismo pelas quais vestiram camisolas, ou não dispõem de capacidade intelectual e moral para serem quem são. Pessoas cujas acções e palavras influenciam significativamente a opinião de milhões de indivíduos em todo o mundo. Esses milhões de indivíduos mereciam ídolos muito melhores.
Nada neste epifenómeno tem que ver com paixão pelo futebol. É, em si, um dos momentos mais sujos e imorais da história deste desporto. De um lado, uma ditadura sanguinária que se tenta mascarar com o ópio do povo e, do outro, jogadores já multimilionários que desejam ardentemente comprar um segundo iate para passear no Mediterrâneo.
Assim se apresenta o futebol nos dias de hoje, terreno de falsos ídolos cujos únicos talentos são chutar uma bola, exibir luxos desbragados e declarações confrangedoras. Longe ficam os tempos em que o desporto era praticado por capitães com pensamento crítico e coragem suficiente para boicotes e protestos em nome da luta humanitária e dos valores morais por que tanto lutámos por conquistar do lado de cá.