Convidado a sair da esplanada

A verdade é que, aos dias de hoje, Barcelona e Lisboa são cidades semelhantes — isto é, os problemas de uma são os problemas da outra.

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Megafone P3: Convidado a sair da esplanada Ono Kosuki/Pexels
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Em Barcelona é difícil encontrar uma esplanada com mesas livres. Naquela cidade em específico, as pessoas gostam particularmente de beber cervejas, independentemente da altura do dia. Os espanhóis sabem viver; assumamos que aproveitam a vida melhor do que nós, e concentremo-nos em corrigir a nossa abordagem.

Ainda assim, eles não estão livres de problemas. Ultimamente, têm surgido relatos de que alguns cafés e restaurantes da capital catalã estão a proibir as pessoas de se sentarem sozinhas nestes espaços, que só podem ser ocupados por grupos. Compreende-se facilmente o porquê: ao consumo, a solidão interessa muito pouco.

É uma situação preocupante. Provavelmente, também vamos enfrentar esta questão em Lisboa — se é que não existem já cafés e restaurantes locais a tirar partido desta táctica, que não deixa de ser insólita.

A verdade é que, aos dias de hoje, Barcelona e Lisboa são cidades semelhantes — isto é, os problemas de uma são os problemas da outra. À partida, as soluções para esses problemas também são semelhantes, mas têm tardado a chegar.

Entretanto, surgem novos problemas, como o que diz respeito a esta proibição, que limita a qualidade de vida dos habitantes — em especial daqueles que, por acaso ou por escolha, se encontram sozinhos, e desejam passar o tempo, por conveniência ou por prazer, num recanto da sua cidade.

Quem vos escreve estará particularmente tramado caso os cafés e restaurantes lisboetas copiem esta tendência catalã. Contudo, nesta fase, não me preocupo comigo — preocupo-me, sim, com qualquer pessoa que queira simplesmente aproveitar os pequenos prazeres da vida urbana, pedindo, para alcançar esse fim, um café rápido, ou uma simples imperial, ou um bolo, ou um salgado.

A minha alma nem é dada a grandes ansiedades e evito ser do contra ou criticar pelo mero prazer de criticar. Porém, estou apreensivo, daí que não me liberto das piores perspectivas.

Imagino um rapaz apaixonado e excitado por ter combinado um café com a rapariga mais bonita da cidade a ser convidado a sair da esplanada onde se encontra, depois de ter percebido que, afinal, a rapariga, que era realmente a mais bonita da cidade, não iria aparecer. O coração do rapaz partido em dois — duas vezes. Primeiro, por ela, depois, pelo empregado de mesa.

Imagino também uma mulher ansiosa e preocupada, preparada para mudar de vida — ou, pelo menos, de carreira —, a fazer tempo até à entrevista de trabalho, marcada para mais tarde: como não queria arriscar um atraso (e causar má impressão), decidiu chegar mais cedo, e esperar pela hora H numa esplanada próxima do possível futuro escritório. Não a deixam sentar-se: a mulher tem de ir disfarçar o nervosismo para outro lado.

Tenho receio de, num futuro próximo, me sentar numa esplanada em Lisboa e de ser expulso, porque estou sozinho e porque, em vez de um grupo de amigos, faço-me acompanhar por um livro ou por um semanário. Estamos todos expostos a este perigo.

Já é difícil viver em Lisboa. Temo que, nos próximos tempos, seja também difícil estar em Lisboa, e frequentar as esplanadas da cidade. Lisboa importa problemas, sendo cada vez mais uma cidade que vai de modas — mesmo. Ainda assim, não nego que, nos últimos tempos, têm sido feitos esforços para inverter os entraves mais problemáticos; esses devem ser reconhecidos, visto que, por vezes, as mudanças são visíveis.

Enfim, tenho um pressentimento de que, não daqui a muito tempo, vou ter de ir beber o meu café para outro lado. Eu, o rapaz de coração partido em dois e a mulher que quer mudar de carreira.

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