Capital sem pátria
Marx tinha razão: o capital não tem pátria. Mas a nacionalidade da propriedade conta e conta muito.
O modo como regimes não democráticos, como aqueles que se abrigam em torno dos países árabes, se infiltraram no mundo dos negócios de desporto, que não apenas o futebol, revelam uma tendência em que o poder obscuro do capital tudo envolve e tudo compra.
Um trabalho apurado descobre que por detrás das modalidades desportivas economicamente mais poderosas e dos negócios que lhes estão associados está o poder do capital árabe, seja resultado de uma economia saudável e escrutinada, seja o resultado dos lados mais obscuro do mundo do capitalismo.
A instância olímpica, porventura a última reserva moral de um desporto respeitado, não ficou imune a este vírus e os escândalos em que se envolveram algumas figuras proeminentes aí o estão a provar. Nada assegura que o problema não tenha recaídas e que os casos se não sucedam.
Direitos humanos, respeito pelas minorais étnicas, sociais ou sexuais, respeito pelos direitos laborais tudo é esquecido em função do sacrossanto poder do capital. E como o capital não tem fronteiras descobrimos uma série de organizações desportivas nacionais com a presença de capitais oriundos desses países num movimento de captação de poder que faz as delícias de quem deles beneficia, mas que hipotecam a independência das organizações nacionais.
O movimento migratório, para a alguns desses países, de grandes atletas em final de carreira e de outros técnicos desportivos, não coloca, na generalidade dos casos, qualquer problema de consciência moral, como não coloca a crescente designação de dirigentes desses países para estruturas de topo do movimento desportivo internacional.
A estratégia de controlo obedece a um cuidado movimento junto das principais alavancas do desporto na sua dimensão de negócio e o futebol não é distinto do que se procurou no golfe ou no automobilismo.
Esta tendência, de investimento de regimes não democráticos de várias latitudes do globo em organizações e projectos desportivos, não é de hoje e moldará o desporto nos próximos anos. Resta aspirar que nesta submissão ao mundo dos negócios o desporto possa dar algum contributo para a democratização destes países no sentido de respeitarem os direitos humanos no seu entendimento mais extensivo, e não para agravar a suspeição em torno da transparência e integridade das suas competições e de quem as governa.
Infelizmente, da parca informação explorada e disponível na comunicação social nacional, o caminho tem sido tormentoso e o balanço preocupante.
Este jornal tem sido neste contexto, uma honrosa excepção, na investigação dos circuitos que o capital de vários países árabes tem feito pela Europa e por Portugal num esforço de esclarecimento que só pode ser saudado. Até porque, esse trabalho, contrasta com o silêncio da generalidade de outros meios de comunicação social perante uma ocorrência que está a configurar o desporto das próximas décadas.
Regressemos a Marx, esse defunto, cujas ideias ainda não deixam de inquietar as mentes mais brilhantes, seja para o defender, seja para o contestar. Em tempos de globalização e de neoliberalismo há capital com rosto e, como é da sua própria natureza, existe para se reproduzir. Cabe às dinâmicas democráticas e respeitadoras dos direitos humanos defender os termos dessa reprodução e demonstrar que o neoliberalismo e o poder do capital, como o “espírito” do tempo, não podem ser deixados sozinhos na evolução da humanidade.