Recordando Correia da Serra, 200 anos depois da sua morte
Assinala-se o bicentenário da morte de José Correia da Serra (foi a 11 de setembro de 1823). Destacou-se na botânica e publicou artigos nas mais importantes revistas científicas do seu tempo.
José Francisco Correia da Serra (1751-1823) conseguiu uma proeza formidável: a publicação de artigos de investigação nas mais importantes revistas científicas do seu tempo, designadamente, Transactions of the Royal Society, Transactions of the Linnean Society e Annales du Muséum d’Histoire Naturelle. Salvaguardadas as devidas proporções, neste caso para que a comparação não seja injusta para Correia da Serra, este feito é equivalente a publicar hoje na Science ou na Nature.
No caso das revistas inglesas, associadas a importantes sociedades científicas, Correia da Serra publicou em 1796 um artigo sobre a reprodução das algas submersas e de outras plantas criptogâmicas; e em 1799 um outro artigo sobre o tema das semelhanças ou afinidades naturais entre plantas de espécies diferentes.
Em ambos os casos, Correia da Serra desafiou a sabedoria convencional estabelecida em torno da incondicional aceitação dos sistemas de classificação de Lineu, demonstrando capacidade de inovação teórica e metodológica nos estudos botânicos mais avançados da época. Foi ainda na área da botânica que publicou entre 1805 e 1811, na mais importante revista francesa de história natural, nove notas e artigos dedicados à carpologia, ou seja, a estudos sobre anatomia e fisiologia de sementes e frutos.
Os ambientes e contextos de produção de ciência em que Correia da Serra se movimentou – em Londres, entre 1795 e 1801, e em Paris, entre 1802 e 1812 – ajudam a explicar o êxito das suas publicações. Conviveu de perto com os cientistas de maior relevo nos domínios de conhecimento que cultivou, entre os quais cumpre destacar os nomes de Joseph Banks, Joseph Gärtner, Antoine de Jussieu e Augustin de Candolle. Frequentou as sociedades científicas, partilhou ideias e comentários, praticou a ciência no enquadramento institucional que é propício ao avanço do conhecimento.
De tal sucesso se serviu para ambicionar e concretizar uma venturosa estadia na jovem nação americana, com Benjamin Franklin como inspiração e Thomas Jefferson como anfitrião. Correia da Serra foi feliz na América, ente 1812 e 1820, continuando a fazer e a promover os estudos científicos e servindo também a sua nação como primeiro embaixador português em Washington.
Apesar da enorme dose de autodidatismo, e de um gosto irreprimível pelo aprender-fazendo, Correia da Serra aprendeu a fazer ciência educando-se no ambiente culto, letrado e ilustrado de Nápoles da segunda metade do século XVIII, onde viveu intensamente a sua juventude, com Roma de permeio, entre os anos de 1755 e 1775. Aí se familiarizou com as virtudes do método científico baseado na observação e na experiência e com as vantagens de um conhecimento que se espraia em várias direções procurando um sentido comum: afirmar a ciência como meio que conduz ao bem-estar e felicidade humana.
Foi esse espírito de uma ciência útil que também impregnou a missão a que se converteu quando aportou em Portugal, vindo de Itália, em 1777: a fundação da Academia Real das Ciências de Lisboa, que viria a ocorrer no final do ano de 1779. Claro que não foi apenas obra sua (recorde-se o papel não menos relevante do 2º Duque de Lafões ou do naturalista italo-português Domingos Vandelli), mas foi em larguíssima medida uma obra institucional que vingou graças ao seu empenho e inspiração. Nos diversos textos manuscritos que deixou – muitos deles incompletos – traçou uma espécie de guião programático da ciência que importava fazer para que Portugal se conhecesse melhor a si próprio, para que soubesse traçar caminhos de futuro.
Acabou por ser frustrada a esperança de uma dedicação continuada à sua Academia. Rumores de proteção a revolucionários jacobinos franceses forçaram-no a partir para Londres em 1795. Aí fez vingar desempenho científico de primeiríssimo plano, aí se vingou dos que no seu país não souberam reconhecer o génio de uma mente científica brilhante.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico