Por vezes, no duche ou antes de adormecer, devaneio sobre o amanhã. Penso onde vou estar dentro de meia década, ou de uma inteira, ou de cinco delas. Imagino a casa, os filhos, o emprego, a conta bancária e de cada vez que penso faço-o de forma diferente. Ontem sonhei com uma casa numa aldeia junto a Braga, hoje já fui à margem do Léman. É sempre bom, seja onde for, por isso é que me deixo devanear.
Mas depois penso sobre aquilo que pensei e apercebo-me que há algo de demasiado constante no mundo que sonho. Em nenhuma destas minhas fantasias vejo uma ordem social diferente da que conheci em criança, não vejo novas tecnologias a alterarem os nossos hábitos, não vejo preocupações senão as que se me aparentam hoje. Sei que, como aquilo que sonho são meras fantasias, o facto de a história permanecer estática não é um problema. O problema apenas surge quando um destes desvios da realidade não desaparece na altura de planear a sério sobre o meu futuro.
Se pensar bem, a minha mãe, nascida em 1977, assistiu ao colapso da União Soviética, ao crescimento da China e à queda das torres gémeas antes sequer de eu nascer. Já comigo viu um par de guerras lançadas pelos Estados Unidos, uma quarentena surrealista e a invasão russa do Donbass. Mais que isso, vivemos o crescimento de forças fascizantes pela Europa e pelo mundo fora e nem demos pelo dia em que isso começou.
Pensando ainda com mais força, conseguimos colar estes eventos uns aos outros, a queda da União Soviética levou à hegemonia americana, que levou a um punhado de guerras com aroma americano pelo mundo Árabe, que levou à crise de migrantes pela Europa, que levou a choques culturais no continente, à evidenciação do racismo e ao aproveitamento disso mesmo pelos partidos de extrema-direita que como ervas daninhas despontam por toda a parte.
Olhando para este pensamento eu pergunto: o que é que me dá o direito de achar que esta sucessão chegou ao fim? Quem me garante que as democracias liberais sobrevivem até ao final do meu tempo? Por que motivo devo acreditar que a anunciada crise climática não me vai forçar ao estilo de vida das séries pós-apocalípticas?
Como posso ter a certeza que aquilo que começou como interferência das grandes potências na governação ucraniana, e escalou para o que escalou, não escala ainda mais até uma guerra que nos envolva? Quem me consegue negar que os avanços americanos no Mar da China nãos nos levam a esse mesmo destino?
Fukuyama disse em 1989 que o fim da história se aproximava, que a democracia liberal e o capitalismo derrotariam o fascismo e o socialismo. Disse isso em 1989 e hoje a China é capaz de olhar nos olhos dos Estados Unidos, já estes parecem partir-se a meio em facções que apenas concordam em cancelar-se uns aos outros.
Se é certo que Portugal está cada vez mais privado e capitalizado, quem percebe do assunto diz que África não se irá alinhar connosco. Falando em África, e já agora na Índia e da Indochina, se os países desses lados chegarem alguma vez à sociedade consumista das democracias ocidentais, onde é que se vai produzir as coisas e coisinhas que encontramos em qualquer loja das nossas ruas? Não, Fukuyama não é para mim, a história avança.
É isso, aliás, que diz o meu pai quando lhe apresento os pensamentos acima e o meu receio de um recuo social. Diz ele que o mundo anda para a frente. Eu aceito, mas acrescento que a frente não é necessariamente melhor. Quem sabe se os Musks deste mundo não começam por comprar a imprensa, depois avançam para partidos e acabam por comprar governos e exércitos?
Acredito que, se medíssemos todas as variáveis imagináveis, conseguiríamos prever tudo isso, mas é demasiado trabalho quando podemos apenas esperar para ver e aguentar o que tiver de ser. Até lá, hei-de fantasiar como se nada viesse a mudar, sabe-me bem e não magoa ninguém.