Aprender a escrever à mão na era digital: necessidade ou nostalgia?

“Caligrafar” não é apenas desenhar, já que existe uma intenção linguística, ou seja, pretende-se deixar uma mensagem no papel.

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Alexander Dummer/Unsplash

A questão de aprender a escrever à mão tem sido cada vez mais debatida e muitas investigações têm surgido em torno desta temática. De facto, existem muitos especialistas a chamar a atenção para os benefícios da escrita à mão para o desenvolvimento cognitivo da criança.

Em termos fisiológicos, a região occipital-temporal é a área onde se processa o reconhecimento visual das palavras, onde se realiza a leitura rápida e automática. Esta área cerebral contempla a informação principal sobre cada palavra, sobre a ortografia, a pronúncia e o significado. Quanto mais automaticamente for feita a ativação desta área, mais eficiente se torna o processo de leitura e a escrita.

Dominar a escrita à mão implica ter aprendido e treinado os gestos manuais necessários para que do manuseio de um lápis resulte um traçado gráfico com valor linguístico. Para tal, é necessário que a criança tenha treinado formas precoces de escrita, como, por exemplo, desenhar. De facto, nas primeiras garatujas e na “escrita inventada” — entendida como as tentativas da criança para se apropriar do conjunto de sinais gráficos convencionais que a ortografia usa para transcrever a fala — a criança mostra os seus conhecimentos sobre a escrita.

É muito comum identificar-se a caligrafia com o desenho das letras e reduzi-la a uma habilidade motora, contudo “caligrafar” não é apenas desenhar, já que existe uma intenção linguística, ou seja, pretende-se deixar uma mensagem no papel. Esta tarefa não deve ser vista como um simples ato motor, pois, para se tornar eficiente, é crucial que este gesto esteja integrado com o conhecimento ortográfico.

Está comprovado que a aprendizagem da leitura beneficia com a escrita à mão, sendo que esta auxilia na distinção das letras e na identificação da sua posição. A criança, quando escreve, apresenta mais facilidade em identificar as letras (grafemas) e percebe a diferença entre duas letras que se assemelham graficamente, como, por exemplo, que as letras “b” e “d” só se distinguem porque uma está direcionada para a direita e a outra para a esquerda.

Escrever à mão implica a integração do gesto motor com o conhecimento das convenções ortográficas. Para que uma criança tenha sucesso na escrita deve conseguir escrever palavras sem dispensar muito tempo e energia a deduzir qual é a forma correta da palavra ou a procurá-la demoradamente na memória. Só dessa forma é que consegue libertar a mente para pensar melhor no conteúdo que está a escrever e conseguir escrever um texto com coerência de ideias.

Um processo de aprendizagem com sucesso deve permitir a passagem de uma escrita lenta e esforçada, para uma escrita de palavras ortograficamente corretas, organizadas em frases e textos produzidos com coerência e fluência.

Na era digital, escrever no computador para a maior parte das pessoas é mais rápido, contudo existem vários estudos que comprovam que fazer apontamentos ou tirar notas à mão facilita a memorização.

Na escrita à mão é preciso pensar-se o que escrever, refletindo, e estruturar o pensamento antes de passar para o papel. Escrever à mão tem sido comprovado que ajuda a memória, já que esta obriga um exercício cerebral complexo.

Em suma, gostava de salientar que, apesar de a tecnologia trazer imensos benefícios, não devemos menosprezar a importância que a escrita à mão tem para o desenvolvimento cerebral e cognitivo das nossas crianças, bem como para a aprendizagem da leitura e da escrita.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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