A longevidade aumentada ou a realidade diminuída?
Por que envelhecemos? Quando começamos a envelhecer? Qual é o marcador do envelhecimento? Há um limite para o quanto podemos envelhecer? Essas perguntas têm sido ativamente exploradas pela humanidade.
Este mês o crédito do tema terá de ser dado à demógrafa e amiga Maria João Valente Rosa, especialista em envelhecimento, que partilhou comigo um artigo de Setembro da The Economist no qual se discutia a longevidade. Não se imagina descoberta mais promissora (ou mais lucrativa) do que o elixir da juventude. Essa poção mágica que milagrosamente nos conservaria jovens e ativos por mais tempo. Não é, portanto, de admirar, que quer universidades, quer empresas, procurem desenfreadamente a receita do rejuvenescimento celular que em teoria permitirá um aumento do nosso tempo de vida, e que abundem as páginas de descobertas, receitas, mezinhas e teorias acerca do assunto. Muitas destas apoiadas em algumas descobertas científicas, mas ainda longe de estarem comprovadas para a espécie humana. A par de obter informação, é igualmente importante ser crítico, que estimular o cérebro também nos ajuda a envelhecer melhor.
Por que envelhecemos? Quando começamos a envelhecer? Qual é o marcador do envelhecimento? Há um limite para o quanto podemos envelhecer? Essas perguntas têm sido ativamente exploradas pela humanidade nas últimas centenas de anos, quer a nível biológico, quer filosófico. No entanto, apesar dos avanços recentes na biologia molecular e genética, os mistérios que controlam a longevidade humana ainda não foram desvendados.
Muitas teorias foram propostas para explicar o processo de envelhecimento, dividindo-se em duas correntes principais. Uma, mais clássica, defende que o envelhecimento celular resulta de acumulação de lesões no ADN (a informação genética) e interações ambientais, levando a mutações sequenciais ou stress oxidativo. A outra, mais moderna, defende que o envelhecimento é programado, e segue um cronograma biológico, tal como os processos que regulam o crescimento e o desenvolvimento na infância. Essa regulação da expressão genética de fatores teria impacto nos sistemas celulares envolvidos na manutenção, reparação e defesa celulares, tais como a senescência celular, o sistema endócrino (nomeadamente as vias de sinalização da insulina), e a resposta imunitária.
Com este conhecimento, o passo seguinte é manipular os processos biológicos associados ao envelhecimento e testar se retardam o envelhecimento e/ou prolongam a esperança média de vida. Uma das intervenções mais conhecidas e exploradas envolve a dieta, originalmente aplicada a roedores por meio da restrição calórica e proteica, que tem tido resultados contraditórios em termos de qualidade da longevidade obtida. Outros estudos envolvem fármacos que afetam as vias biológicas relevantes. Um deles é a metformina, que foi aprovada para o tratamento da diabetes tipo 2; outro é a rapamicina, um imunossupressor usado em transplantes de órgãos.
Outro caminho é desenvolver medicamentos que eliminem as células “senescentes”, cuja capacidade de remoção por via natural diminui com a idade. Daí a investigação de potenciais medicamentos “senolíticos” cuja segurança de ação ainda não foi totalmente estabelecida, isto é, não sabemos ainda se há efeitos secundários noutras células. Há equipas de investigação em todo o mundo a estudar processos de rejuvenescimento de células e tecidos por manipulação dos “marcadores epigenéticos”, pequenas marcas que assinam o nosso ADN em locais específicos e que se acumulam com a idade, tentando dessa forma regular a produção de genes específicos.
Mas será que a longevidade absoluta é a solução? Retardar o envelhecimento corporal não mudará o facto de poucas destas abordagens terem impacto no envelhecimento cerebral e estes mecanismos quase não se aplicarem às células nervosas, os neurónios. Por outro lado, a maioria destas intervenções pró-longevidade foram feitas em modelos não-humanos muito simples, como a mosca-da-fruta, Drosophila melanogaster, ou o nemátodo simples, o verme Caenorhabditis elegans, que têm um potencial de translação para a terapêutica humana muito limitado.
Nenhuma destas ideias foi formalmente testada até agora em pessoas, em parte devido ao facto de as agências de aprovação de medicamentos não reconheceram o envelhecimento como uma patologia tratável, tornando difícil registar os ensaios. Por sua vez, estes ensaios implicam monitorizar milhares de pessoas ao longo de muitos anos, o que aumenta o custo e a complexidade associados. Um dos ensaios clínicos que estão em curso, Targeting Ageing with Metformin (TAME) seguirá 3000 americanos entre os 60 e 70 anos para analisar se este fármaco tem impacto na qualidade de envelhecimento e na longevidade.
É pouco provável que se descubra ‘o elixir ou o gene da juventude’, porque o envelhecimento é o resultado de vários fatores. Em vez disso, intervenções combinadas interagirão e provavelmente serão mais eficazes do que qualquer uma delas isoladamente, e incluirão alterações genéticas, farmacologia, dieta, e procedimentos fisiológicos/cirúrgicos. Os efeitos terão de ter em conta todas as manifestações do envelhecimento, e analisar com cuidado o impacto nas doenças específicas associadas à idade, na inflamação, na fragilidade e autonomia, e na mortalidade dependente da idade, para uma perspetiva mais completa e honesta.
Enquanto aguardamos por dados mais convincentes, nada melhor que o magnífico — e único romance — de Oscar Wilde, no qual o jovem Dorian Gray deseja que o retrato envelheça no seu lugar reclamando as marcas da sua decadência física, enquanto a sua aparência permanece intocada pelo tempo (O Retrato de Dorian Gray), ao som da óbvia canção When you are old and lonely, dos Magnetic Fields.
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990