Saleemul Huq, “revolucionário” das alterações climáticas, morre aos 71 anos

Cientista foi um dos principais defensores da exigência de que as nações que produzem mais emissões compensem os países mais pobres por “perdas e danos” decorrentes das alterações climáticas.

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No ano passado, Saleemul Huq foi condecorado com a Ordem do Império Britânico pelos seus esforços no combate às alterações climáticas The International Institute for Environment and Development/Flickr
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Saleemul Huq, um cientista bengalês-britânico que ganhou fama como "revolucionário do clima" pelos seus esforços para fazer com que os países altamente poluidores ajudem os Estados mais pobres e vulneráveis do mundo a lidar com os impactos devastadores das alterações climáticas, morreu a 28 de Outubro na capital do Bangladesh, Daca. Tinha 71 anos.

A sua morte foi confirmada pelo Centro Internacional para as Alterações Climáticas e o Desenvolvimento, uma organização de investigação com sede no Bangladesh que ele dirigia. Saleemul Huq sofreu um ataque cardíaco em sua casa, informaram os meios de comunicação social do Bangladesh, citando a família.

No meio de apelos à redução das emissões de gases com efeito de estufa que têm vindo a aquecer o planeta e a intensificar fenómenos meteorológicos extremos como secas, ciclones e inundações, Huq centrou-se nas formas de adaptação às alterações climáticas e de atenuação dos seus efeitos.

Foi também um dos principais defensores da exigência de que as nações mais desenvolvidas e industrializadas do mundo – as que produzem mais emissões – compensem os países mais pobres por "perdas e danos" decorrentes das alterações climáticas.

Esteve presente em todas as 27 Conferências das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas. Em Novembro passado, na COP27 em Sharm el-Sheikh, no Egipto, Huq foi fundamental para a obtenção de um acordo para a criação de um fundo de perdas e danos.

Este acordo culminou um esforço de 30 anos para criar um fundo deste tipo, separado do dinheiro a utilizar para ajudar os países a adaptarem-se às alterações climáticas. Mas ainda estão a decorrer reuniões e workshops para "desenhar" o fundo e resolver questões como a sua localização e os seus contribuintes, disse Harjeet Singh, responsável pela estratégia política global da Climate Action Network. Entre as outras questões pendentes estão a quantidade de dinheiro que o fundo conterá, quem beneficiará e quem o deverá gerir.

"Trabalhou incansavelmente durante 30 anos", disse Singh ao The Washington Post, a partir de Nova Deli. "Apesar de muitos momentos de frustração, nunca perdeu a esperança."

"Perdas e danos não são ajuda", disse Huq numa entrevista concedida no ano passado à revista Nature, que o apelidou de "revolucionário do clima" ao nomeá-lo como uma das 10 pessoas em todo o mundo que ajudaram a moldar as maiores histórias científicas de 2022. Pelo contrário, baseia-se no princípio do "poluidor-pagador", afirmou. "Quando o dinheiro é dado como ajuda, todo o poder recai sobre o doador", criando uma relação desigual, acrescentou.

"O termo 'perdas e danos' é um eufemismo para termos que não estamos autorizados a usar, que são 'responsabilidade e compensação'", disse Huq ao New York Times nas negociações da COP em Glasgow, Escócia, em 2021. "'Reparações' é ainda pior."

"A voz dos que não tinham voz"

Singh descreveu Huq como "a principal voz que apelou à adaptação quando o mundo inteiro estava a apelar à redução das emissões". Trabalhou para sensibilizar para as necessidades das comunidades "já afectadas e que vão ser afectadas" pelas alterações climáticas.

Saleemul Huq foi "o arquitecto intelectual daquilo a que agora chamamos Adaptação Liderada Localmente", escreveu Patrick Verkooijen, director executivo do Centro Global para a Adaptação, com sede nos Países Baixos, no site da organização de investigação. Ele era "de facto a voz dos que não tinham voz".

Verkooijen recordou a viagem que Huq fez ao Bangladesh para compreender melhor os efeitos das alterações climáticas em algumas das pessoas mais vulneráveis do mundo, residentes num país de baixa altitude, empobrecido e densamente povoado, propenso a calor intenso, tempestades tropicais graves e inundações.

"Saleem apresentou-nos às comunidades locais que estão a tomar as suas próprias medidas para se protegerem do aumento das temperaturas, construindo abrigos contra ciclones e sistemas de alerta", escreveu Verkooijen. "Tirámos a maior lição de todas, a de que passar as comunidades da vulnerabilidade para a resiliência é um objectivo urgente, vital e exequível."

Um percurso notável

Saleemul Huq nasceu em Karachi, no Paquistão, a 2 de Outubro de 1952, filho de pais que trabalharam no serviço diplomático paquistanês antes de o Bangladesh, antigo Paquistão Oriental, ter conquistado a independência após a guerra de 1971. Os seus pais bengaleses escaparam à captura pelo exército paquistanês, viajando por terra num burro para a Índia, noticiou a Nature.

Cresceu na Europa, Ásia e África devido aos cargos diplomáticos dos seus pais e mudou-se para a Grã-Bretanha na década de 1970 para estudar no Imperial College de Londres, onde se doutorou em botânica em 1978.

Depois de regressar ao Bangladesh, co-fundou um grupo de reflexão independente especializado em política ambiental, o Centro de Estudos Avançados do Bangladesh, e incentivou a criação de um departamento governamental, que se tornou o Ministério do Ambiente, das Florestas e das Alterações Climáticas.

Entre os seus sobreviventes contam-se a mulher, Kashana Huq; um filho, Saqib Huq, que é director adjunto do centro de Daca dirigido pelo pai; e uma filha, Sadaf Huq.

Ao longo dos anos, Huq contribuiu para o Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (IPCC), que partilhou o Prémio Nobel da Paz de 2007 com o antigo vice-presidente dos EUA Al Gore, pelo seu trabalho de divulgação do conhecimento sobre o aquecimento global provocado pelo homem. No ano passado, Saleemul Huq foi condecorado com a Ordem do Império Britânico pelos seus esforços no combate às alterações climáticas.

Num relatório sombrio de 2022, o IPCC referiu uma "breve e rápida janela de oportunidade" para a raça humana evitar um futuro cada vez mais mortífero de calor insuportável, subida do nível do mar, propagação da seca, intensificação de tempestades violentas e fome generalizada, entre outros efeitos das alterações climáticas.

O relatório alerta para o facto de que, se não forem controladas, as emissões de gases com efeito de estufa poderão aumentar o nível do mar em vários metros, engolindo pequenas nações insulares e esmagando mesmo as regiões costeiras mais ricas do mundo, noticiou o The Post. Mas quanto mais as temperaturas aumentarem, maior será o fosso entre ricos e pobres, segundo o relatório.

"Esta é uma das coisas mais claras que as provas científicas mostram sobre os impactos das alterações climáticas – a injustiça das mesmas", disse Saleemul Huq ao The Post após a publicação do relatório. "Afectam mais as pessoas pobres do que as ricas, mas são causadas pelas emissões das pessoas ricas."

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