Corria o dia 9 de Novembro quando encontraram, nas buscas ao então ministro das Infra-Estruturas João Galamba, uma quantidade de haxixe dentro do limite da lei para autoconsumo. Em Outubro, para surpresa de muitos, foi publicado um estudo que aponta que aproximadamente 9% dos magistrados consomem álcool e/ou drogas.
Em 2021 já a Juventude Socialista propunha legalização da canábis (e da prostituição). A Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro veio, aliás, regular (dando um tratamento não criminal) o consumo de estupefacientes, aprovada, salvo as devidas excepções, pelos votos da esquerda parlamentar.
Sabemos bem que o intento da grande política de “guerra às drogas”, uma política americana do século XX, que levou ao status actual foi, no mínimo, altamente racializado e feito para manter certas classes desfavorecidas.
Apesar do haxixe, feito da resina da planta canábis, ser quase o terceiro (ou décimo terceiro) plano da crise política na qual está envolvido, nunca é demais recordar que o pioneirismo português nesta matéria é das poucas menções internacionais positivas que vão aparecendo sobre política portuguesa.
E é-o pelo fantástico efeito que a medida contra-intuitiva teve. Hoje, num país que tem tanta dependência do turismo, apresenta-se a oportunidade de atrair ainda mais turismo: conjugar a canábis com a praia, a arquitectura ou a gastronomia, os nossos vinhos e outras especialidades, arrecadando uma receita fiscal superior.
Mas, contrariamente aos vários pontos que “empurram” esta decisão para a frente do debate político, algo mantém o óbvio afastado. Talvez a reminiscência da necessidade de manter a “decência”. Porém, talvez no ano dos 50 anos de Abril, venha mais uma acção no sentido da liberdade, com a ciência a confirmar o nosso Estado de Direito.
Deixemos de lado o conservadorismo, que não só nos envelhece e puxa para o Restelo, como leva a este momento de flagrante hipocrisia, quando temos ministros e magistrados a adquirir produtos como haxixe. À partida, não o produzem nem o encontram no chão com muita regularidade.
Ao mesmo tempo, as suas políticas e decisões resultam em prisão para quem depende de uma vida na economia paralela para ser menos marginal, ou melhor, para ser apenas um marginal com poder de compra, em vez de um marginal sem poder de compra.
Para não falar que estes produtos são onde muito jovens de camadas socioeconómicas mais desfavorecidas começam a sua “vida de crime”, mas não é onde terminam. Quer pela prisão, quer pela sua ausência, é a “progressão na carreira” que dá acesso ao tráfico de drogas pesadas, armas, órgãos, pessoas...
Portanto, quer pelo turismo, quer pela receita fiscal ou pela redução de custos do sistema penitenciário, criação de empregos, redução das facilidades de recrutamento de organizações criminosas, entre outros motivos, poderíamos ter já resolvido a situação.
Mas, apesar da maioria absoluta no Parlamento e das evidências científicas sobre a canábis, não só não avançamos como temos hipocrisia estupefaciente (para não ser estupidificante) nos órgãos de soberania de Portugal.