Foi ao espaço, viu a destruição da Amazónia e voltou activista. Morreu Mary Cleave

Astronauta de vaivém da NASA que liderou investigação sobre alterações climáticas morreu aos 76 anos.

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A astronauta americana da NASA Mary Cleave na cabine de pilotagem do vaivém espacial Atlantis durante uma missão em 1985 Space Frontiers/NASA/GettyImages
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Mary L. Cleave, uma astronauta da agência espacial norte-americana (NASA) que se juntou à agência depois de ver um panfleto de recrutamento num posto dos correios, servindo em duas missões de vaivéns espaciais na década de 1980 e, em seguida, liderando investigações sobre alterações climáticas que examinaram os ecossistemas oceânicos com imagens captadas do espaço, morreu a 27 de Novembro em sua casa em Annapolis, no estado norte-americano de Maryland. Tinha 76 anos.

Mary Cleave foi vítima de um acidente vascular cerebral (AVC), segundo a sua irmã, Bobbie Cleave.

As quase quatro décadas de Mary Cleave na NASA – incluindo voos a bordo do vaivém espacial Atlantis em 1985 e 1989 – cobriram os primeiros sucessos do programa e a sua tragédia mais esmagadora. Estava em formação de astronauta em 1981, quando o Columbia fez o primeiro lançamento de um vaivém, e fazia parte do controlo da missão em 1983, quando a astronauta Sally Ride, do Challenger, se tornou a primeira mulher americana no espaço.

Depois, em Janeiro de 1986, com uma missão de vaivém espacial no currículo, Mary Cleave estava numa sala de conferências da NASA em Houston a assistir à transmissão do Challenger quando este explodiu aos 73 segundos de voo, matando os sete membros da tripulação, incluindo a professora Christa McAuliffe. Mary Cleave fazia parte das equipas pós-catástrofe que avaliaram potenciais falhas de concepção, tais como as falhas no impulsionador do Challenger.

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A tripulação da missão STS-30 da NASA no convés central do vaivém espacial Atlantis em 1989. No sentido dos ponteiros do relógio, a partir do canto superior direito, estão o Comandante David M Walker, os especialistas de missão Mary L Cleave, Mark C Lee e Norman E Thagard, e o piloto Ronald J Grabe. Space Frontiers/Getty Images

"Antes do meu primeiro voo.... basicamente, disse à minha família: 'Talvez não volte', porque penso que muitos de nós compreenderam que o sistema estava a ser muito pressionado", lembrou Mary numa conversa divulgada pela NASA. "Mas foi para isso que nos inscrevemos", acrescentou.

Quando surgiu a oportunidade de efectuar outro voo, Mary Cleave não hesitou. Foi seleccionada como especialista de missão para o Atlantis, em Maio de 1989, que enviou com sucesso a sonda Magellan (a versão inglesa de Magalhães) para Vénus. A Magalhães mapeou mais de 95 por cento da superfície do planeta e efectuou medições da sua atmosfera superaquecida.

Durante as órbitas da Atlantis, Mary Cleave observou frequentemente manchas de terras agrícolas e outras clareiras desflorestadas na vasta floresta tropical da Amazónia. Durante a missão, tomou a decisão de regressar à investigação ambiental, o cerne dos seus estudos antes de entrar na NASA em 1980.

"A quantidade de desflorestação que pude ver, apenas nos cinco anos entre os meus dois voos espaciais para lá, assustou-me imenso", afirmou ao Orlando Sentinel no início daquele ano. Mary passou para os projectos da NASA sobre clima e ambiente, liderando estudos que utilizavam satélites para seguir a ecologia dos oceanos, tais como os níveis de fitoplâncton e outras plantas.

Os dados forneceram mais pistas sobre os efeitos de um planeta em aquecimento na cadeia alimentar e na saúde geral dos oceanos.

Em palestras, Mary Cleave deu ao público uma amostra do seu humor e uma forte dose de urgência sem rodeios. "Tenho a oportunidade de estudar o lodo verde à escala global", disse ela à Association for Women Geoscientists numa reunião na estância de Snowbird, no Utah, em 1997.

Acrescentou que o ritmo e a escala das perturbações nos padrões e na ecologia dos oceanos causadas pelas alterações climáticas provocadas pelo homem eram irrefutáveis. "Bum! Os peixes morrem - não há comida e há menos oxigénio", exemplificou, descrevendo os ciclos de aquecimento do Pacífico conhecidos como El Niño e o seu efeito na vida oceânica e nas tempestades do tipo monção. "E vocês podem andar de caiaque na rua principal de Salt Lake City."

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Mary L Cleave, engenheira americana e candidata a astronauta da NASA no Johnson Space Center em Houston, Texas, Janeiro de 1981 Space Frontiers/Archive Photos/Hulton Archive/Getty Images

A cientista disse que via as missões dos vaivéns espaciais como parte da ciência crítica para avaliar os efeitos das alterações climáticas e de outras crises ambientais causadas pelo homem, como os pesticidas e os fertilizantes agrícolas que se contaminam os cursos de água. "A recolha de dados com base no espaço é a única forma de percebermos tudo isto", defendia.

Uma astronauta demasiado pequena para as companhias aéreas

Mary Louise Cleave nasceu em Southampton, Nova Iorque, a 5 de Fevereiro de 1947, e foi criada noutra comunidade de Long Island, Great Neck. O seu pai era professor de música e a sua mãe de educação especial. Também geriram um campo de férias no Lago Champlain durante 20 anos.

Começou a ter aulas de voo em Long Island aos 14 anos, utilizando o dinheiro que ganhava como ama. Pensou em tornar-se hospedeira de bordo. "Mas eu era demasiado baixa", admitiu ao New York Times. "Naquela altura, era preciso ter mais de 1 metro e 60 centímetros e eu só tinha 1,57".

Depois candidatou-se à escola de veterinária da Universidade de Cornell. Na altura, as mulheres não eram aceites. "Costumavam discriminar com base no género em todas as escolas profissionais", lembra. Licenciou-se em Biologia na Universidade Estatal do Colorado em 1969 e obteve o grau de mestre em ecologia microbiana em 1975 na Universidade Estatal do Utah, onde também concluiu o doutoramento em engenharia civil e ambiental em 1979.

Um dia, um colega disse-lhe para ir ver um anúncio da NASA nos correios que procurava engenheiros para treino de astronautas. "Ele disse: 'És a única estudante de engenharia que conheço que é suficientemente louca para fazer isto'", contou Mary ao Newsday. "Eu respondi: 'Tens razão.'"

Na sua primeira missão no vaivém espacial, no final de 1985, Mary Cleave foi engenheira de voo e operou um braço robótico utilizado durante as caminhadas espaciais por outros membros da tripulação para testar métodos de construção de uma estação espacial.

Foi-lhe também confiada a tarefa de emergência de reparar uma avaria na casa de banho do Atlantis, adianta na história da NASA contada por Rebecca Wright.

"Caro senhor, estou habituada a trabalhar na outra extremidade do tubo", terá dito ao controlo da missão, referindo o seu trabalho anterior em água e ambiente. "Deve ter sido assim que ganhou o título de 'primeiro canalizador espacial'", lembra Wright.

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A tripulação do Atlantis, na missão STS-61-B, com vários chapéus de fantasia, em 1985. Da esquerda para a direita: Charles D. Walker, Jerry L. Ross, Mary L. Cleave, Brewster H. Shaw, Rodolfo Neri Vela, Sherwood C. Spring e Bryan D. O'Connor Space Frontiers/Archive Photos/Getty Images

"Sim", confirma Mary Cleave a rir , acrescentando: "Ou 'fada sanitária'".

Mary Cleave reformou-se da NASA em 2007 como administradora associada da direcção da missão científica da NASA, com sede em Washington. Mais tarde, foi mentora de estudantes através da Astronaut Scholarship Foundation, que oferece bolsas de estudo a estudantes de ciências, tecnologia, engenharia e matemática. Tem duas irmãs.

Antes da segunda missão no Atlantis, Mary perguntou ao especialista da missão Mark C. Lee onde é que ele se queria sentar para o lançamento. Era a sua primeira vez numa tripulação de um vaivém espacial e a astronauta queria dar-lhe a opção: um dos quatro lugares na cabina de pilotagem ou o lugar solitário atribuído que ficava num nível inferior. Mary Cleave ficou inicialmente desiludida quando Lee escolheu a cabina de pilotagem.

"Achei que era um péssimo negócio. Vou ficar sozinha lá em baixo e não consigo ver nada", lembra na entrevista à NASA. Para sua surpresa, adorou. "Eu podia gritar. Podia gritar", diz Mary, "podia passar um tempo maravilhoso e, acreditem, que viagem!".