Plestia documentou a beleza de Gaza e, depois, a sua destruição

Plestia Alaqad queria ser jornalista. Começou por retratar a realidade do povo palestiniano dentro da Faixa de Gaza.

Foto
Plestia Alaqad partilhou nas suas redes sociais momentos da guerra dentro da Faixa de Gaza DR

Antes de a guerra começar, Plestia Alaqad não dava muita importância à sua página de Instagram. Tinha publicado algumas fotografias suas perto do mar Mediterrâneo, a segurar no filho de uma amiga, ou a fazer festas ao cão Luki. Partilhou também uma foto em que está sentada num café, com a legenda “Era de felicidade e despreocupação”, e uma fotografia de um passeio de bicicleta matinal, onde se lê “Apanha nasceres do Sol e não sentimentos”.

Quando imaginava o seu futuro enquanto jornalista, pensava nas inúmeras formas de chamar a atenção do mundo para Gaza, que tanto amava. Mas não tinha pressa. Tinha 21 anos e tinha tempo para ponderar a sua carreira.

Foi então que, a 7 de Outubro, acordou com notícias e publicações sobre o ataque do Hamas no sul de Israel.

Plestia reflectiu sobre as próximas acções de Israel e no que poderia fazer. A jovem tinha-se formado em Jornalismo e Novos Media, no Chipre, meses antes. Na verdade, no dia seguinte, Plestia ia começar a trabalhar enquanto criadora de conteúdos para uma organização não-governamental (ONG) palestiniana.

Em vez disso, a rapariga começou a percorrer as ruas de Gaza e a registar o que via, publicando vídeos e fotografias no Instagram e no TikTok. Na altura, tinha cerca de 3700 seguidores no Instagram, sendo a maior parte deles amigos e família.

A 9 de Outubro, estava a gravar um vídeo enquanto se dirigia para casa. Quando mostrava como as famílias se conseguiam abrigar dos bombardeamentos, deu-se uma enorme explosão. “Estava a tentar explicar-vos as coisas, mas acho que já as conseguem ouvir”, diz Plestia Alaqad no vídeo. “Vou ver como os meus pais estão”, acrescenta.

Nos primeiros dias de guerra, o mundo focou-se em Gaza. No entanto, o bloqueio criado por Israel impediu a entrada de jornalistas internacionais na Faixa de Gaza. Por isso, os jornalistas e fotógrafos palestinianos têm sido os únicos a expor aquilo que está a acontecer dentro desta zona.

De um momento para o outro, Plestia Alaqad era uma das poucas jovens jornalistas a documentar a maior história da actualidade.

No dia 9 de Outubro, a jovem e a sua família abandonaram a sua casa, na cidade de Gaza, e foram abrigar-se num hospital. No dia seguinte, Plestia gravou um vídeo quando decidiu ir ver o que restava da sua casa, depois dos bombardeamentos. A rua estava coberta de escombros. E, antes de chegar à sua porta, passou por edifícios reduzidos a ruínas. Lá dentro, mostrou os escombros e, depois, tentou preservar alguma esperança. “É importante esclarecer que a minha casa não foi completamente bombardeada”, explica, no vídeo. “Ela ainda pode ser arranjada.”

Mas pouco tempo depois, a jovem e a família tiveram de fugir da cidade de Gaza, cumprindo os avisos deixados pelas autoridades israelitas.

O tio de Plestia, dos Emirados Árabes Unidos, conseguiu contactar a sua mãe por telefone. Este queria saber como estavam os familiares, mas também dizer à rapariga que o seu vídeo tinha-se tornado viral. Plestia tinha alcançado meio milhão de seguidores no Instagram.

Cinco milhões de seguidores

A partir daí, nos seus vídeos, a jovem começa a utilizar um capacete azul e um colete protector que indicava “Imprensa”. Plestia conseguiu este equipamento de protecção junto de um órgão de comunicação local. A jornalista já não estava a transmitir a sua vida, mas a documentar cenas heróicas e de destruição dentro da Faixa de Gaza.

Plestia começou a andar de carro com outros dois jornalistas, que também filmavam o que viam: prédios de dez andares, cujos andares superiores estavam amassados como jornais e crianças feridas com pais desaparecidos. Nesta publicação, escreve: “Se sabem quem são os pais destas crianças, ou se forem os seus pais, elas estão no hospital.”

A 13 de Outubro, pergunta num vídeo: “Conseguem imaginar que vivi durante toda a minha vida em Gaza e que, neste momento, nem sequer consigo reconhecer as ruas?” A este ponto, milhares de pessoas tornavam-se seguidores de Plestia.

Ainda assim, havia coisas que a jovem não partilhava. À medida que o número de jornalistas mortos aumentava, o seu perfil crescia. Alguns amigos da rapariga pediram-lhe para que apagasse as fotografias que tinha deles anteriores ao início do conflito. Foi então que começou a preocupar-se com a possibilidade de a sua família ser morta, caso se tornasse um alvo a abater.

“Devo voltar para perto da minha família ou devo afastar-me? Estarei a ser egoísta?”, começou a questionar-se, tal como contou numa entrevista ao jornal The Washington Post.

No final do dia, os colegas deixavam-na na casa de um primo, onde a jovem e a família estavam abrigadas. Plestia dormia num colchão, no chão. A sua mãe tentava convencê-la cautelosamente a ficar em casa.

“E se fizesses uma pausa”, perguntava-lhe a mãe, Rana. Este receio já não era recente. Em criança, a mãe já tentava constantemente proteger a filha dos horrores que se abatiam sobre a Faixa de Gaza.

Quando havia bombardeamentos, Rana mencionava que se encontravam longe delas, mesmo que não fosse verdade. Por vezes, quando se iniciavam os ataques aéreos, a mãe insistia que era apenas uma mera trovoada. Na maior parte das vezes, esta estratégia funcionava. Plestia adorou crescer em Gaza. A jovem fazia modelos de vestidos tradicionais palestinianos, dava aulas a outros palestinianos na Casa da Imprensa e preencheu livros com poemas e registos diários.

Com a evolução do conflito, Plestia continuou a trabalhar. Filmou pessoas a cozer pão no chão das suas casas, depois de as padarias de Gaza serem bombardeadas. Entrou inclusive numa zona onde os civis locais se refugiavam e, lá, foi abraçada por um grupo de crianças.

Poucas semanas depois do início da guerra, tinha mais de dois milhões de seguidores, que passaram para os três milhões. Este número obrigou-a a pensar na responsabilidade que tinha em mãos, mas estava exausta. Mal dormia e estava cada vez mais certa de que seria morta.

As pessoas começaram a reconhecê-la nas ruas e a pedir-lhe que esta contasse as suas histórias. Numa noite, a jovem jornalista entrou num hospital e viu uma mulher que tinha perdido três membros – só lhe restava uma das mãos. Plestia apresentou-se e pediu à mulher para documentar os seus ferimentos. “Oh, eu sigo-a”, notou a mulher.

“Senti-me culpada”

Por vezes, Plestia fazia scroll no seu próprio feed do Instagram e parecia-lhe que estava a olhar para a vida de um estranho. Isto, porque não detectava a Gaza que conhecera outrora nas suas publicações.

A 11 de Novembro, partilhou: “A maior parte das minhas lembranças de Gaza perderam-se. Os meus restaurantes, cafés e lojas preferidos desapareceram. A maioria das casas dos meus amigos também desapareceu. Quando à minha casa, não tenho a certeza se foi parcialmente demolida ou se já desapareceu completamente.”

A jovem tentou restaurar algum equilíbrio com a versão de Gaza que estava a transmitir. Por isso, partilhou um vídeo de uma mulher a ser resgatada com os seus três pássaros e duas tartarugas, uma tinha sido nomeada Plestia.

O objectivo da rapariga era transmitir uma visão mais íntima da vida em Gaza, porém, o número de vítimas continuou a aumentar. No início do mês de Novembro, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, foram registados dez mil mortos.

Foi nesta altura que a jovem descobriu que o tio tinha conseguido vistos para que toda a família fosse para a Austrália. Quando o nome de Plestia fosse colocado na lista de passagem da fronteira de Rafah, a família teria de sair da Faixa de Gaza em 12 horas. Será que a jovem tinha sequer escolha?

Senti-me culpada. Porque é que eu posso sair e os outros não?, referiu ao The Washington Post. Porque é que só as pessoas com passaportes ou familiares no estrangeiro é que podem fugir de uma zona de guerra?, adicionou.

A jovem ponderou na sua missão enquanto jornalista em Gaza e pensou em abandoná-la. “Decidi que me sentiria mais culpada se a minha família fosse morta por ter decidido ficar [a documentar os acontecimentos].” Por isso, dirigiu-se para o Egipto e, poucos dias depois, estava no sudeste da Austrália.

Nos primeiros dias, era-lhe difícil olhar para as notícias. O abismo entre a tranquilidade da casa do tio na Austrália e a devastação em Gaza era demasiado grande para ser suportado. Mas Plestia precisava de acompanhar o que estava a acontecer. Por isso, ligou o telemóvel e começou a percorrer as fotografias do Instagram daqueles que tinham ficado para trás.

Sugerir correcção
Comentar