Quando uma baleia dá à costa, está muitas vezes num estado lastimável – inchada, em decomposição, a cheirar mal. Mas a baleia-comum de quase 16 metros que encalhou na popular Mission Beach, em San Diego, nos EUA, no dia 10 de Dezembro, parecia grande e gorda, exactamente como uma baleia deveria ser. Kerri Danil não fazia ideia porque é que este gigante aparentemente saudável se tinha atirado para a praia.
"Ficámos surpreendidos", disse Danil, um biólogo investigador do Serviço Nacional das Pescas Marinhas chamado para examinar a baleia. "O animal parecia saudável, tendo em conta o seu estado corporal e a sua robustez." Mas a sua equipa não tardaria a desvendar o mistério. O provável culpado: baleias assassinas.
A baleia-comum encalhada parece ser a última vítima de um grupo de orcas que tem andado a comer e a molestar golfinhos e outros mamíferos marinhos ao longo da costa do Sul da Califórnia. Os observadores de baleias avistaram o grupo em pelo menos 10 dias entre 11 de Dezembro e o Natal, de acordo com o California Killer Whale Project, uma organização sem fins lucrativos.
Para os biólogos marinhos da Califórnia, a chegada deste grupo de cerca de uma dúzia de baleias assassinas, normalmente encontradas ao longo da costa do México, não representa qualquer tipo de ameaça. É antes um sinal de um ecossistema em recuperação ao largo da costa Sul da Califórnia, um ecossistema em que os mamíferos marinhos aumentaram o suficiente para sustentar orcas esfomeadas.
"Estamos a assistir a uma recuperação das populações de mamíferos marinhos, e não é de admirar que os seus predadores também estejam a recuperar", disse Robert Pitman, ecologista marinho do Instituto de Mamíferos Marinhos da Universidade Estatal do Oregon.
A provável emboscada à baleia-comum, um animal com um tamanho muitas vezes superior ao da orca, ilustra a incrível capacidade de caça dos predadores. Só no ano passado é que os cientistas relataram como um bando de orcas se juntou para matar uma baleia azul. E uma recente vaga de orcas a atacar e, nalguns casos, a afundar barcos no estreito de Gibraltar pôs os alguns proprietários europeus de iates em alerta.
"As orcas são a coisa mais parecida com um T-rex [Tyrannosaurus rex] que temos neste planeta actualmente", explica Robert Pitman.
Sem sinais de ferimento de um navio ou redes
Mission Beach, a norte do centro de San Diego, é a praia por excelência do Sul da Califórnia, muitas vezes repleta de surfistas e banhistas. Os leviatãs [monstros marinhos] mortos raramente fazem parte da mistura.
Quando Danil e três colegas chegaram ao local, começaram por procurar sinais dos habituais suspeitos da morte de uma baleia-comum: ferimentos causados por um ataque de um navio ou o enredamento em artes de pesca.
Como não havia indícios de que um barco ou uma corda tivessem provocado a morte do mamífero marinho, a equipa de Danil recolheu amostras de tecido de um estranho conjunto de marcas de mordidelas nas barbatanas do animal e à sua volta. Determinaram que a baleia tinha sido ferida enquanto viva, uma vez que o animal não tinha ainda morrido quando deu à costa.
"Marcas de ancinho"
Os espaços entre as "marcas de ancinho" paralelas feitas pelos dentes dos predadores eram demasiado grandes para terem sido feitas por um tubarão ou um golfinho. Enviaram as fotografias a outras pessoas, incluindo Pitman, que tinha estudado os ataques de orcas a baleias-comuns ao largo da Baixa Califórnia, no México. Rapidamente concluiu que as orcas eram novamente as culpadas.
Eis o que terá acontecido: o grupo de orcas atacou a baleia-comum, agarrando-se às suas barbatanas num esforço de equipa para afogar ou exaurir a sua enorme presa. Na tentativa de fugir, a baleia atirou-se para terra e morreu.
"Achou que devia arriscar aproximar-se da praia para se afastar destas orcas", disse Pitman. A acrescentar à evidência de um ataque de orca está o facto de, no dia seguinte, alguém ter avistado orcas a nadar para Norte, afastando-se do local.
Orcas estão a ser atraídas para estas águas
Tem havido um aumento no número de avistamentos de orcas no Sul da Califórnia desde 2014, de acordo com Alisa Schulman-Janiger, co-fundadora e principal bióloga de investigação do Projecto Baleia Assassina da Califórnia.
A diminuição da poluição da água, juntamente com a protecção contra a caça e o assédio às orcas e às suas presas, ao abrigo da Lei de Protecção dos Mamíferos Marinhos de 1972, permitiu o regresso das orcas ao Sul da Califórnia. O aumento das temperaturas também está a empurrar mais espécies para norte.
"Muitas espécies e populações de animais que normalmente não se encontravam nas águas do Sul da Califórnia estão a começar a deslocar-se para lá", afirmou Pitman.
A história é diferente no Noroeste do Pacífico. Lá, as orcas que se alimentam de peixe não estão a ter o mesmo sucesso que a variedade que se alimenta de mamíferos do Pacífico, devido à baixa produção de salmão nos rios Snake e Columbia.
No Sul da Califórnia, o grupo de orcas em questão é "curioso em relação aos barcos", o que leva os barqueiros a irem à procura das orcas, disse Schulman-Janiger. "Elas tendem a aproximar-se dos barcos e a investigá-los com mais frequência do que outros grupos de orcas", disse. Mas acrescentou que não há provas de que as orcas do Sul da Califórnia estejam a atacar barcos.
Ainda assim, ela dá alguns conselhos. "O alerta que queremos deixar às pessoas é: deixem que sejam elas a aproximar-se de vocês."
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post