A deportação de um português (que nunca veio a Portugal) ao abrigo do “Brexit”

O caso de Dimitry Lima não é único: Marcus Decker, activista ambiental, encontra-se em risco de deportação para o seu país de origem, a Alemanha, por desordem pública.

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Megafone P3: A deportação de um português (que nunca veio a Portugal) ao abrigo do “Brexit” Reuters

Se antes da saída da União Europeia qualquer cidadão europeu residente no Reino Unido há mais de cinco anos se encontrasse na condição de julgado por um crime, a deportação seria apenas equacionada nos casos onde a segurança pública estivesse claramente em causa.

Infelizmente, com o “Brexit” vieram igualmente novas regras e uma fasquia tão mais baixa quando a um não nacional basta receber uma sentença igual ou superior a 12 meses para ser deportado e, assim, manter o bem-estar público.

E para manter o bem-estar do mesmo público, o Reino Unido prepara-se para deportar Dimitry Lima, de 28 anos, nascido no Reino Unido de pais portugueses e sentenciado em Agosto de 2020 a 4 anos e 6 meses de prisão por posse e tráfico de droga e posse de arma ilegal (neste caso, um taser).

Ora, acontece a Dimitry Lima não só nunca ter saído do Reino Unido e, consequentemente, nunca ter visitado Portugal, mas também o facto, pasmem, de Dimitry Lima não falar português.

De acordo com o próprio, a surpresa da sua remoção para um centro de detenção e imigração nos arredores de Gatwick em Outubro passado é apenas comparável à sua certeza e crença de ser um cidadão britânico de pleno direito ou não tivesse Dimitry vivido no Reino Unido a sua vida toda e incapaz de falar outra língua para além do inglês.

Ao mesmo tempo, Dimitry não questiona a sua responsabilidade nos crimes cometidos, estando predisposto a cumprir em pleno a sentença atribuída e deste modo reabilitar-se aos olhos da sociedade britânica, a única sociedade familiar aos seus olhos.

O caso de Dimitry, infelizmente, não é único: Marcus Decker, activista ambiental e membro do “Just Stop Oil”, encontra-se em risco de deportação para o seu país de origem, a Alemanha, por desordem pública após escalar uma ponte em Dartford em Outubro de 2022 num protesto pacífico contra a atribuição de novas licenças governamentais para a exploração de petróleo e gás.

A mensagem é simples: não há liberdade num planeta morto e Decker como o expoente deste apelo depois da sua condenação a 2 anos e 7 meses de prisão, agora com a agravante da deportação. Mas não só, acrescentando-se aos indivíduos deportados a impossibilidade de alguma vez regressarem ao Reino Unido.

As vidas e sonhos construídos removidos de uma só vez, sem escrúpulos ou peso na consciência, em nome da soberba ou apenas o alimentar do medo e da ignorância contra o estrangeiro, diferente, não igual e por isso inferior face ao óbvio e de repente a superioridade de uma raça sobre todas as outras e os fantasmas do passado não são fantasmas se bem presentes.

Acrescente-se a sobrelotação das prisões britânicas e as recentes medidas de aceleração dos processos de deportação até um ano e meio antes do fim da sentença para compreender o porquê de casos como os de Dimitry e Decker.

O ridículo de tais medidas prende-se com a cegueira das autoridades quando no caso do nosso conterrâneo se deporta alguém sem ligação alguma a Portugal, um “retornado” onde as aspas se aplicam por Dimitry nunca ter partido e portanto não ter para onde voltar.

Para além do mais, Dimitry ainda não tem cidadania portuguesa e não tendo o Reino Unido quaisquer documentos de identificação obrigatórios, a conclusão é a de Dimitry Lima ser apátrida, não titular de qualquer nacionalidade.

E a pergunta, inevitável: qual a posição das autoridades governativas portuguesas diante de tal caso? Qual o papel da embaixada e do consulado? E da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas?

Estará Portugal apto a receber Dimitry após a sua deportação e quais os apoios existentes em território nacional para promover a sua inclusão desde a aprendizagem da língua à habitação, apoios sociais e a possibilidade de um emprego e uma vida futura nesta Lusitânia?

E depois de Dimitry, existirão outros casos e quais as políticas de acolhimento? Onde estão as seculares relações de amizade diante da mais velha aliança quando os valores britânicos se sobrepõem em detrimento do mundo ao redor?

O Reino Unido questiona direitos humanos fundamentais ao abrigo de uma soberania não muito distante da tirania e o mundo observa, portugueses incluídos, quiçá de acordo quando não se interpela.

E se não de acordo, levantem-se as vozes, às armas, às armas, contra os canhões marchar.

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