Atracção do Porto Santo leva Boneca de Canudo a estrear-se nos vinhos brancos

Elsa Franco produzia tintos em Machico, onde começou o projecto Boneca de Canudo, desde 2014. Em 2022, estreou-se nos vinhos brancos, com um Caracol da ilha dourada e um Verdelho da Ponta do Sol.

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Elsa Franco recuperou vinhas de família (e comprou, entretanto, outras) para fazer os vinhos Boneca de Canudo Gregório Cunha
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Elsa Franco deixou a Madeira para estudar no continente e quando regressou de Lisboa, com um 'canudo' em Engenharia Civil, encontrou as terras do pai no sítio do Caramanchão, Machico, abandonadas. "O meu pai fazia só o vinho seco, o dos arraiais, estávamos em 2006 e começava a falar-se de reconversão das vinhas aqui na região." A madeirense quis arrancar as variedades híbridos (como o Jaquet ou a Isabella; resultantes do cruzamento entre espécies diferentes de videira) e plantar castas com interesse enológico — "foi um processo que começou na altura, mas foi gradual" —, mas houve logo quem, na sua família, comentasse: "só nos faltava agora esta boneca de canudo". E o nome pegou.

É curioso perceber como a pequena revolução por que hoje passam os vinhos tranquilos na Madeira — especialmente os do Porto Santo — não surgiu do nada. Pensar que Elsa já faz vinho há dez anos na zona de Machico e que poucos, mesmo na Madeira, ouviram falar do seu projecto. E pensar também que foi a aquisição de vinhas na ilha dourada, uma oportunidade, que levou a produtora a estrear-se nos vinhos brancos. Quantas sementes de um futuro promissor nos vinhos tranquilos não germinarão no arquipélago enquanto escrevemos este texto? Assim elas possam dar frutos.

Este Natal, encontrámos o Caracol e o Verdelho, outra oportunidade — que surgiu quando Elsa tomou conta de outras terras de família na Ponta do Sol —, da Boneca de Canudo na placa central, nome pelo qual os funchalenses tratam a emblemática Avenida Arriaga, que em Dezembro se enche de barriquinhas, quase todas com poncha. São ambos de 2022 e foram feitos, como já vinha acontecendo com os tintos (dois, um deles reserva, feitos de Touriga Nacional, Merlot e Syrah), na adega da Justino's Madeira Wines e pela equipa de enologia da Justino's. Mil e poucas garrafas de cada, à venda apenas na Madeira (embora Elsa possa enviar directamente uma ou outra garrafa a quem no continente lhe quiser comprar o vinho).

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Estes varietais de Caracol e Verdelho, de 2022, marcam a estreia do produtor madeirense Boneca de Canudo nos vinhos brancos Gregório Cunha

O projecto Boneca de Canudo "tem vindo a crescer", conta a produtora que ao todo soma "uns três hectares de vinha", em Machico — onde o sonho é transformar a antiga casa de família no turismo rural Casa do Caramanchão (para já "a prioridade é desenvolver a viticultura") —, na Ponta do Sol e no Porto Santo. Em Machico, a uns 300 metros de altitude, Elsa só tem as tais variedades tintas em produção e tem vinhas novas de Chenin Blanc, casta que tem historicamente maior expressão na África do Sul e que integra "a lista de castas autorizadas para DOP Madeirense". "É uma experiência. A lista não tem muitas opções", justifica. Porque não plantar Tinta Negra? "Para já, não. São vinhos diferentes, mas nem sempre são unânimes. Aquilo que procuramos é um bocadinho diferente."

À mesma cota, mas do outro lado da costa Sul, na Ponta do Sol, junto a uma zona de estufas, a Boneca de Canudo tem o Verdelho que deu origem a um dos dois vinhos brancos que vieram alargar o seu portefólio. Esse e o de viticultores vizinhos, já que as uvas não davam para um volume mínimo. "Ali, na Ponta do Sol, há poucas zonas com vinhas, há muitas bananeiras e os pássaros adoram é as uvas", o que obrigou, explica Elsa Franco, ao uso de "redes para proteger os cachos". Como se não chegasse já o esforço para conseguir colher as uvas no ponto. À acidez elevada, própria do terroir madeirense, em que os produtores estão obrigados a fazer correcções de pH no solo, este Boneca de Canudo Verdelho 2022 tem um lado mais verde, mais vegetal, apesar de a equipa ter feito duas passagens nas vinhas.

O clique Porto Santo

Os "terrenos na Ponta do Sol eram de família e tinham vinhas de Verdelho já, mas abandonadas", o clique para as recuperar aconteceu por causa de outras vinhas, noutra ilha. O Porto Santo "acabou por ser a entrada para os vinhos brancos", conta ao PÚBLICO, acrescentando:"Queremos caminhar para aquilo que os vinhos brancos permitem, ter espumantes também. Embora convenha consolidar primeiro a qualidade dos brancos".

"As vinhas do Porto Santo foram adquiridas recentemente, no início de 2022. As vinhas já existiam, eram de uma pessoa que já nos dava apoio na viticultura e o 2022 foi precisamente o primeiro vinho que fizemos de lá. Em 2024, lançaremos o 2023." As vinhas em chão de areia (cerca de "7.000 metros quadrados") ficam, como a maioria das vinhas em actividade na ilha, perto do aeroporto. Como, ao contrário do que acontece na Madeira, em que existe uma adega pública (fica em São Vicente, na costa Norte), no Porto Santo só dois produtores têm adega certificada e mesmo isso é recente. As uvas da Boneca tiveram de fazer uma viagem de duas horas e meia no Lobo Marinho, o barco que faz a ligação entre as duas ilhas, para serem vinificadas. É isso que acontece às uvas da maioria dos produtores que nos últimos cinco anos se viraram para o "PXO".

"O vinho foi feito na Madeira, na Justino’s. As uvas foram apanhadas de manhã e foram transportadas e processadas no mesmo dia." Apesar de isto já parecer esdrúxulo, a inacreditável viagem pode tornar-se mais complicada no futuro, já que em 2024 a Boneca deixará de poder usar a adega da Justino's. "Eles estão a crescer muito. E nós somos micro e perturbamos um bocadinho o trabalho deles." Os enólogos Juan Teixeira e Flávia Rosário continuarão a dar apoio à enologia, mas, "em 2024, será preciso arranjar alternativa" para a vinificação. "Infelizmente não temos adega, mas é um objectivo termos uma micro-adega."

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Pormenor das vinhas que a madeirense Elsa Franco recuperou e explora na Ponta do Sol Gregório Cunha
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A marca Boneca de Canudo já tinha dois tintos e em 2022 começou a produzir também vinhos brancos e uma sidra Gregório Cunha

Elsa tem planos para aumentar a área de vinha, mas isso é algo que quer "fazer gradualmente", diz. Quer fazer vingar castas tintas num terreno que tem na freguesia de Santo António da Serra, metade concelho de Santa Cruz, metade Machico, a uns 600 metros de altitude, e onde há "uva de mesa plantada". "Vamos enxertar para não começar tudo de novo."

Precisamente no 'Santo da Serra', numa área onde tem plantadas macieiras e outras árvores de fruto, tem origem a sidra que Elsa também produz. "A ideia foi transformar o que não conseguíamos comer." A produtora aproveita os serviços que o Governo Regional da Madeira oferece aos produtores de sidra. "O Governo Regional tem várias sidrarias, esta é a de Santo António da Serra. A sidra tem crescido muito na Madeira à conta desse incentivo. Nós levamos as maçãs, eles transformam e engarrafam. Já recolhemos a sidra engarrafada." Na campanha de 2023, produziram "para aí 1.000 e tal litros". "Não é muito, mas já crescemos em relação ao ano passado. Também na sidra começámos em 2022."

Um ponto de venda seguro para encontrar os vinhos e a sidra Boneca de Canudo na ilha é a Barraca Ilda e Juvenal, que fica no centro de Machico, a escassos metros do mar e que foi baptizada em homenagem aos pais de Elsa. "Acaba por ser um tributo."

Nome Boneca de Canudo Verdelho 2022

Produtor Casa do Caramanchão

Castas Verdelho

Região Madeira (DOP Madeirense)

Grau alcoólico 12,5%

Preço (euros) 18

Pontuação 89

Autor Ana Isabel Pereira

Notas de prova É um dos dois vinhos que marcam a estreia deste pequeno produtor com projecto sediado em Machico e cuja enologia é assegura pela equipa da Justino’s. As vinhas que dão origem a este Verdelho ficam na Ponta do Sol, a uns 300 metros de altitude, onde os pássaros, que pelos vistos preferem as uvas às bananas (há ali mais bananeiras que vinhas), são mais um desafio a juntar à dificuldade de colher uvas completamente maduras e à acidez natural dos solos da Madeira. Nariz discreto, com fruta tropical mas delével, e um paladar em que a acidez, bem incisiva, fala mais alto. Isso e um lado mais vegetal, que virá porventura de uma vindima ainda em verde e /ou do uso de algum engaço na vinificação, mascaram outras dimensões que o vinho possa ter. Quando o vinho aqueceu um pouco no copo, pareceu-nos sentir melhor a fruta e o conjunto ganhou com isso. Pede, definitivamente, comida. 1143 garrafas.

Nome Boneca de Canudo Caracol 2022

Produtor Casa do Caramanchão

Castas Caracol

Região Madeira (DOP Madeirense)

Grau alcoólico 12,5%

Preço (euros) 22

Pontuação 90

Autor Ana Isabel Pereira

Notas de prova Feito com a uva sensação do Porto Santo, ilha de origem vulcânica mas onde os solos são calcários, este Caracol marcou a entrada do produtor nos vinhos brancos. E só por isso merece um aplauso. Com ele, a Casa do Caramanchão (que tem apoio da Justino’s Madeira Wines na enologia) lançou igualmente um Verdelho, que também provámos. Uvas próprias, de vinhas localizadas no sítio das Cancelas, conduzidas junto ao chão e protegidas do vento pelos tradicionais muros de croché e por caniçais, deram à garrafa um vinho cítrico e mineral, envolvente e com uma acidez crocante. No nariz, tem um quê de salino e chão de areia; na boca é fresco, envolvente, salgado e um tanto ou quanto picante. Não se agarra à língua para sempre, mas eleva a comida – no nosso caso, coroa de galinha, uma receita de família e das festas. 1143 garrafas.

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