António Viana Barreto, no centenário do seu nascimento
Co-autor, com Ribeiro Telles, dos jardins da Gulbenkian, Viana Barreto foi uma das figuras históricas da arquitectura paisagista portuguesa e pioneiro do ordenamento do território.
Há pessoas que passam pela vida sem ruído, discretamente, embora deixando ficar atrás de si, ao longo dos anos, traços marcantes do seu génio, da sua competência e da sua presença. O arquitecto António Viana Barreto foi assim.
Tendo sido um dos alunos da primeira “fornada” do Curso Livre de Arquitectura Paisagista que Francisco Caldeira Cabral conseguiu implementar no Instituto Superior de Agronomia, foi o primeiro profissional desta formação académica a entrar para um serviço do Estado, a Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, onde criou a Divisão de Arquitectura Paisagista (DAP).
Quando aquela Direcção-Geral passou a designar-se do Planeamento Urbanístico, a DAP ampliou a sua intervenção tendo sido constituídas delegações no Porto, Coimbra, Faro, Madeira e Açores, tendo à frente, respectivamente, Ilídio de Araújo, Manuel Cerveira, Fausto Nascimento, eu e Manuel Cordovil. Foi uma medida decisiva para impor a profissão em todo o país.
Até surgir a arquitectura paisagista, os problemas do urbanismo e da ocupação do território estavam entregues aos arquitectos e engenheiros civis; com a nova formação académica, passou a exercer-se uma outra forma de olhar para o espaço biofísico já não apenas como território a ocupar, mas como paisagem a ordenar.
Conheci António Barreto ainda eu era estudante; encontrava-o depois do almoço no já desaparecido Café Martinho, onde se reuniam ele, Gonçalo Ribeiro Telles, Edgar Fontes e Álvaro Dentinho — as conversas que preenchiam aquela meia hora eram, para mim, verdadeiras aulas. Barreto, sendo o mais circunspecto, falava com indiscutível autoridade.
António Viana Barreto foi sempre uma pessoa excepcionalmente afável, de uma modéstia que o terá prejudicado por não lhe ter sido dada a visibilidade que mereceria. Tinha tanto de sabedoria e profundas convicções quanto de modéstia e de trato discreto. Eu, que lidei com ele anos e anos quer nos serviços quer no seu atelier privado, não me recordo de alguma vez o ter visto desabrido, sem que isso o impedisse de ser convicto e firme ao defender as suas ideias.
Como arquitecto paisagista, é preciso deixar bem vincado que a ele se deve a consolidação dos conceitos e das metodologias do Ordenamento do Território, matérias que foi aprofundando desde que elaborou os primeiros planos dessa tarefa fundamental para a ocupação racional do território. E teve nesse propósito a decisão de integrar na equipa da DAP diversas especialidades profissionais para que a informação vertida nos planos fosse a mais abrangente possível.
Entre muitos outros planos, importa aqui realçar a sua coordenação, com Albano Castelo Branco e Álvaro Dentinho, da equipa que preparou o Plano de Ordenamento Paisagístico do Algarve, nos inícios dos anos 1960. Ali se utilizou a metodologia do ordenamento paisagístico, que ficaria célebre na mesma época através do livro Design with Nature, de Ian McHarg, o que, como já tive ocasião de realçar noutra altura, atesta bem a universalidade da escola paisagista.
Quando foi instituído o Ministério da Qualidade de Vida e criada a Direcção-Geral de Ordenamento (DGO), Ribeiro Telles escolheu Viana Barreto para ser o seu primeiro director-geral; na DGO desencadeou-se a legislação basilar de suporte do Ambiente, na qual participaram técnicos de várias formações e muitos arquitectos paisagistas, merecendo especial relevo o inesquecível Ilídio de Araújo, seu grande amigo.
Com a promulgação dos PDM, dos PROT, da RAN, da REN e do Sistema Nacional de Áreas Protegidas firmou-se o esqueleto fundacional de uso da paisagem — a Conservação da Natureza e o Ordenamento do Território como pilares da política ambiental. Foi um trabalho denso: a cada manhã de segunda-feira, Barreto chegava com novas ideias que congeminara durante o fim-de-semana; e no meio de uma vasta equipa discutia-se a melhor forma de dar corpo à legislação.
Na actividade liberal deixou imensas obras notáveis que constituem uma longa lista, mas recordo apenas aqui o enquadramento da Biblioteca Nacional, o enquadramento da Torre de Belém, o parque das Quintas das Conchas e dos Lilases e, com Ribeiro Telles, o grande parque da Fundação Calouste Gulbenkian.
Comemorar o centenário de nascimento do arquitecto paisagista António Viana Barreto é recordar uma grande personalidade, de excepção, que marcou a época de transformação da metodologia de intervir na paisagem, que ele protagonizou.