Este mar que nos une

O desafio da conservação do oceano é também um desafio de integração de escalas e de visões. É aí que as organizações da sociedade civil se destacam e prestam um serviço fundamental à sociedade.

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Muito cedo na escola aprendemos os nomes dos oceanos e, com isso, espartilhamos a nossa visão do mar. Esta segmentação do todo é depois reforçada pelas nossas experiências ao longo da vida. Afinal, somos todos humanos e é perfeitamente normal que tenhamos tendência a apreender a imensidão do mar em porções mais pequenas e mais apropriadas à nossa dimensão. No entanto, basta reduzir a ampliação num mapa ou globo terrestre para percebermos que o mar da “nossa” praia é um cantinho minúsculo de um oceano muito maior.

Compreender esta escala global do oceano implica aceitar também a dimensão hercúlea do desafio da sua conservação e conduz à necessidade de procurar aliados. E é aqui, na integração de parceiros, que as organizações da sociedade Civil desempenham um papel fundamental. Uma vez que nenhuma organização tem os recursos necessários para intervir de forma profunda sobre todos os temas, e em todas as geografias necessárias, para promover a conservação do Oceano, é indispensável criar alianças que possibilitem aumentar o alcance dos projetos.

Um bom exemplo disso é o trabalho da Oikos e dos seus parceiros em São Tomé e Príncipe. Esta ONG portuguesa está em São Tomé desde 2015 e, a partir de 2017, tem feito um levantamento das necessidades das comunidades piscatórias, sensibilizado e capacitado a população para uma utilização sustentável dos recursos marinhos e melhorando os rendimentos das comunidades.

Reconhecendo que havia a necessidade e possibilidade de ir mais longe, em 2018, quatro organizações com geometrias diferentes juntaram-se com o objetivo de criar a primeira Rede de Áreas Marinhas Protegidas em São Tomé e Príncipe. Assim juntaram-se as competências da Fauna & Flora International (Conservação da Natureza), da Fundação Príncipe (desenvolvimento comunitário na Ilha do Príncipe), da MARAPA (representação dos pescadores) e da Oikos (participação comunitária e modos de vida sustentáveis) para, com o apoio de vários financiadores internacionais, alcançar algo que nenhuma das organizações conseguiria sozinha. Hoje estão já mapeadas as áreas, definidos os processos de monitorização e gestão e concluída a legislação que dará suporte legal para uma rede de oito áreas marinhas protegidas co-geridas pelas comunidades das duas ilhas.

Estas ligações são essenciais e podem nascer de forma orgânica, mas isso não quer dizer que não possam ser cultivadas. A forma mais eficiente de o fazer é através da criação de eventos que juntem diversas organizações debaixo de um mesmo teto com algum tempo para falarem, para apresentarem o seu trabalho, os seus problemas e as suas soluções.

Eventos nacionais e internacionais como a COOL (Convenção das Organizações para um Oceano Limpo), organizado pela Fundação Oceano Azul, a Conferência do Oceano das Nações Unidas ou a World Ocean Summit, promovida pelo Economist Impact, ajudam-nos a juntar uma cara a uma causa (facilitando contactos posteriores), expõem pessoas que trabalham a níveis mais macro (seja nacional, regional ou global) aos problemas, anseios e conquistas das comunidades (muitas vezes desfavorecidas) que dependem mais diretamente do mar, ao mesmo tempo que lhes dão oportunidade de explicar os problemas globais e como a ação comunitária pode contribuir para a sua solução.

Felizmente que a participação de organizações portuguesas em eventos internacionais tem aumentado, dando visibilidade ao bom trabalho que é feito em Portugal e ajudando a trazer soluções desenvolvidas noutras latitudes que podem ser adaptáveis à realidade nacional. Estas participações ainda podem tornar-se mais interessantes se cada evento internacional for seguido de um momento nacional para restituição e partilha de aprendizagens centrado nos participantes nacionais do evento internacional.

O desafio da conservação do oceano é também um desafio de integração de escalas e de visões. É nesse espaço que as organizações da sociedade civil se destacam e podem prestar um serviço fundamental à sociedade. Porque, mesmo quando consideradas todas as nossas diferenças, só há um oceano. E ele une-nos a todos.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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