Intervenção cívica na humanização em Saúde

Está cientificamente demonstrado que uma atitude empática e compassiva por parte do médico ou do profissional de saúde faz toda a diferença.

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Quando se fala em humanização em Saúde devem ser consideradas as suas múltiplas dimensões: o respeito pela dignidade, individualidade e humanidade do doente; uma relação de ajuda estabelecida com base em cortesia, empatia e compaixão; uma avaliação holística do doente, indo além dos aspetos puramente biológicos e considerando a sua história pessoal e o enquadramento psicológico, social e espiritual; adequadas condições de trabalho para os cuidadores bem como recursos humanos e materiais suficientes, e uma estrutura e organização funcional das Instituições, focada nas pessoas.

A humanização dos cuidados de saúde tem sido uma preocupação, desde sempre, mas a sua necessidade é agora sentida como ainda mais urgente. Existem várias razões que justificam este caráter de urgência. Por um lado, o exercício da medicina está progressivamente a afastar-se da sua forma tradicional, assente na participação humana, para se basear em ações de natureza cada vez mais tecnológica. A relação de confiança a estabelecer com a pessoa doente, através de uma eficaz capacidade de comunicação, de respeito, de empatia e de compaixão, exigem um contacto humano que, naturalmente, a tecnologia não pode disponibilizar. A tecnologia é sem dúvida muito útil no diagnóstico e tratamento das patologias mas não pode relegar para um segundo plano as ligações humanas fundamentais para o estabelecimento de uma boa relação com o doente.

Por outro lado, as administrações dos Serviços de Saúde priorizam geralmente critérios de produtividade (numero de consultas, de cirurgias, números, números…) em detrimento de um valor em saúde assumido de uma forma holística e centrada no doente. Mas nem só o predomínio da tecnologia e as atuais preocupações gestionárias constituem dificuldades à humanização dos cuidados de saúde. Também as dificuldades individuais de relacionamento interpessoal, de capacidade de comunicação, de criação de empatia, são muitas vezes, por si só, limitações importantes à prestação dos cuidados que devem ser prestados a cada pessoa doente. A sociedade é agora mais individualista e hedonista, com as pessoas mais centrados em si mesmo e menos sensíveis a sentimentos como a empatia e a compaixão.

Está cientificamente demonstrado que uma atitude empática e compassiva por parte do médico ou do profissional de saúde faz toda a diferença. Uma revisão de mais de 200 artigos publicados ao longo dos anos em revistas científicas de referência confirma a influência positiva da empatia e da compaixão nos cuidados de saúde, nomeadamente no que diz respeito ao seu impacto clínico, à satisfação do doente, maior adesão à terapêutica, diminuição nas readmissões hospitalares, diminuição dos custos, satisfação dos médicos e diminuição de burnout.

O que hoje se reconhece como evidente é que, para se atingir um elevado nível de qualidade assistencial, a humanização dos cuidados tem de ser considerada pelas estruturas dirigentes como estando no mesmo patamar de importância que se atribui aos aspetos puramente técnicos. No entanto, são ainda muitos aqueles que, entre nós, desvalorizam ou menorizam a verdadeira importância que a humanização deve ter nos cuidados de saúde. A crise de empatia e compaixão que hoje se vive na sociedade em geral assume, naturalmente, uma maior gravidade na Saúde e, infelizmente, Portugal não será, em relação a isso, uma exceção!

Com efeito, um inquérito recentemente efetuado em Coimbra revela números bem ilustrativos do descontentamento existente quanto à humanização dos cuidados prestados em instituições de saúde da cidade: 98% das 497 respostas obtidas indicaram a necessidade de mais humanização nos cuidados de saúde prestados em Coimbra, 74% referiram ter tido já experiências negativas quanto à humanização dos cuidados prestados em instituições de saúde da cidade (325 dessas experiências negativas foram mesmo especificadas) e 96% apoiariam a criação de um “movimento de intervenção cívica” que promovesse uma cultura de humanização nos cuidados de saúde.

Neste contexto, um conjunto de individualidades de Coimbra, envolvidas em iniciativas no campo da Ética e da Humanização em Saúde, decidiu iniciar, há cerca de um ano, um movimento que se pretende venha a ser um fator importante na promoção da humanização dos cuidados de saúde na cidade. O Movimento Cívico Humanizar a Saúde teve a sua apresentação pública em Abril do ano passado e a sua primeira iniciativa privilegiou a apresentação de exemplos positivos de humanização nos cuidados de saúde. O Ao Encontro dos Bons Exemplos realizou-se em Setembro do ano passado contando, entre outras, com as participações da escritora Lídia Jorge e do diretor executivo do SNS, Fernando Araújo. Nessa Reunião foi então apresentado o que também se faz de bom em Humanização nas instituições de saúde, públicas e privadas, da cidade.

Muitas outras iniciativas têm sido desenvolvidas pelo Movimento, entre as quais se salientam duas linhas de ação: “De pequenino…” que já envolveu a presença de mais de 700 estudantes do ensino secundário e superior em sessões de sensibilização para a importância da empatia e da compaixão, em geral, e, em particular, no âmbito dos cuidados de saúde; e o Ciclo de Reuniões “Humanizar com Arte”, tendo sido realizadas as Sessões “Deficiência e Saúde”, “Espiritualidade e Saúde” e “Compaixão através do Teatro”, e estando programada para breve a Sessão “Literatura no Cuidar”.

O objetivo deste Movimento Cívico é, portanto, ajudar a promover a cultura de humanização nos cuidados de saúde, trazendo para o debate público um assunto que a todos preocupa e a todos diz respeito.

Escreveu João Lobo Antunes: “Não sei o que nos espera, mas sei o que me preocupa: é que a Medicina empolgada pela ciência, seduzida pela tecnologia e atordoada pela burocracia, apague a sua face humana e ignore a individualidade única de cada pessoa que sofre, pois embora se inventem cada vez mais modos de tratar, não se descobriu ainda forma de aliviar o sofrimento sem empatia ou compaixão."

A humanização dos cuidados de saúde é um requisito fundamental da sua qualidade e cada cidadão tem o direito de a ver assegurada. A promoção da humanização dos cuidados de saúde pela sociedade civil será, portanto, também, um verdadeiro exercício de cidadania.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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