A suprema arte da desilusão, ou a necessidade de lideranças para a História

”Quando a crise não é geradora de grandes audácias, mais indicado é dar-lhe o nome de agonia” Natália Correia

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Temos como lugar-comum afirmar que uma crise é uma oportunidade, seja numa visão quase mitológica em que concebemos que se cria a partir do caos, seja numa retoma do sentido etimológico da palavra em que a ideia de crise é como que uma oportunidade para nos posicionarmos e decidirmos rumos.

Com uma ironia brutal, quase tão grande como a que vivemos no Humanismo, em que – como analisaram os grandes-mestres-da-desconfiança-lusa, Antero de Quental e Alexandre Herculano –, ao auge científico e económico do séc. XVI correspondeu o início do fechamento cultural, a perseguição aos judeus e a todas as culturas fora da maioria, também hoje, ao auge científico e tecnológico, correspondem uma série de crises que negam esse auge.

A crise de hoje é multifacetada, é holística, é geral e global. Nesta nossa Europa, materialmente, nunca vivemos tão bem, mas estamos frustrados com o horizonte de sucesso que temos pela frente; nunca tivemos tanto conhecimento sobre o funcionamento da sociedade, sobre os dramas da História, mas fazemos guerras de natureza tribal e territorial; nunca produzimos tanta riqueza, mas a sua distribuição frustra os próprios alicerces das ideias fundantes do equilíbrio e do contrato social do nosso ecossistema; sem falar na dimensão climática e alimentar, em que tanto se poderia fazer usando a tecnologia e a ciência; e continuamos reféns de práticas, de oligarquias, de comodismos que nos tornam totalmente irresponsáveis na definição do futuro.

Temos à nossa frente tudo o que o conhecimento nos permite. E, contudo, estamos totalmente engajados na incapacidade de decidir e de, seguindo Natália Correia, da crise passar à agonia, à visão da morte de uma sociedade, de um modelo civilizacional. Seja nas grandes equações, seja na micropolítica de cada Estado, sabemos tudo o que seria necessário para resolver muitos dos problemas, mas preferimos enredar-nos em mais do mesmo.

O retrato, assim como o diagnóstico, está feito. Talvez só a utopia nos salve, por total descrédito da razão. Precisamos de lideranças que compreendam o tamanho dos passos a dar. Mas não falo apenas dos líderes partidários – mais uma vez, não podemos continuar a aguardar messias que nos resolvam o mundo. Precisamos de muita gente, não de poucos, que encarnem a vontade de fazer diferente, de dar passos ainda não dados.

Precisamos de quem, mesmo sob o risco de perder no imediato, tenha a ambição de querer ter um lugar na História.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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