As crianças ciganas e a escola

Nas turmas constituídas só por alunos de etnia cigana, a indisciplina é maior, assim como o insucesso escolar, e os professores tem expectativas mais baixas quanto ao desempenho destes alunos.

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O Bairro das Pedreiras, em Beja, é onde vive a maior comunidade cigana do pais Matilde Fieschi/Arquivo
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Dia oito de abril foi o Dia Internacional da Pessoa Cigana. A escola é um espaço de acolhimento global, por definição. Acolhe todos, de forma geral, e com equidade. E a todos quer contribuir com percursos de sucesso. Na verdade todos somos especiais, diferentes e únicos. E só quando conhecemos bem uma pessoa é que podemos ir ao encontro das suas necessidades.

O mesmo se passa com os alunos. A relação pedagógica é, antes de mais, uma relação empática, de conhecimento mútuo e recíproco e de autodescoberta, que pode levar muito ou pouco tempo, dependendo dos seus intervenientes. No caso da particularidade da pessoa cigana, acontece o mesmo, será difícil delinear acções, sem antes existir o genuíno interesse de conhecer a sua cultura, hábitos, costumes e modo de vida.

Há escolas onde a frequência de alunos ciganos é bastante elevada, mesmo maioritária, uma vez que estão localizadas em bairros onde a maioria dos residentes são famílias ciganas. A maioria destas escolas são escolas em Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP). Estes TEIP constituem uma política pública de educação que tem como objectivo beneficiar escolas que se encontram em geografias onde a vulnerabilidade social, o insucesso e o abandono escolar são mais elevados. Esta é uma medida de educação compensatória, ou seja, de compensar onde o ensino regular se mostra pouco eficaz na educação destas crianças e jovens. A criação destas escolas é, em si mesma e antes de mais um olhar objectivo sobre a população da escola e do bairro onde se insere. Ao mesmo tempo é um fator de discriminação, uma vez que por particularizar, discrimina; e consiste numa oferta de segunda linha. O ideal será sempre a opção pela sua integração em turmas do ensino regular. Digamos em linguagem corrente, que é um dos defeitos da virtude de ter uma oferta feita mais ou menos à medida.

O que é um facto é que se as escolas TEIP têm vindo a evoluir nos seus vários programas e já vamos no 4.º, também muito a elas se deve o aumento da escolarização e o abrandamento do abandono escolar, em concreto das populações ciganas. A Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas (ENICC), datada de 2013, reconhece as dificuldades de integração destas comunidades e prevê a defesa dos seus direitos e a sua inclusão em diversas áreas, uma das quais é a educação.

O desenvolvimento de acções que promovem e consolidam o diálogo intercultural é uma das primeiras premissas para a inclusão dos alunos e das suas famílias na escola, através deste diálogo tem-se conseguido a presença mais assídua na escola e o não abandono. Um estudo pontual (Tomé et al, 2016) diz-nos que há mais alunos ciganos com a escolaridade básica, mesmo meninas, e que também se verifica o aumento da frequência até à escolaridade obrigatória. A preocupação com a justificação das faltas é maior, e o abandono escolar que persiste incide mais nas meninas, por questões culturais, o que em algumas situações é colmatado com o ensino à distância.

Apesar desta medida, os estudos também nos dizem que as meninas a estudar neste quadro de ensino à distância sentem falta de motivação e apoio e ainda de socialização. As aspirações para o futuro, na sua maioria, estão mais alargadas do que à venda ambulante. As meninas manifestam mais gosto por estudar e são estas que também ambicionam a frequência do ensino superior. Estes desenvolvimentos pontuais estão longe de serem satisfatórios, uma vez que os normativos e regras da escola estão distantes do modo de vida e de educação familiar destes grupos. Em geral, a discriminação de género continua a existir e as meninas tem menos escolaridade e abandonam com mais facilidade a escola.

Num estudo realizado em três escolas da periferia de Lisboa em 2014, portanto há dez anos, (Mendes et al, 2020) conclui-se tudo o que já foi dito, para além da frequência do ensino pré-escolar há já duas gerações, o que facilita a integração das crianças ciganas com a população em geral e onde aprendem já as pré-competências da leitura e da escrita, o que constitui um fator muito positivo.

Nas turmas constituídas só por alunos de etnia cigana, a indisciplina é maior, assim como o insucesso escolar, e os professores tem expectativas mais baixas quanto ao desempenho destes alunos. Ainda há muito trabalho para ser feito, mas o que parece certo, é que parte das melhorias derivam dos programas TEIP em conjunto com outros projectos, e advém do facto de existirem parcerias com instituições diversas que actuam nos bairros e com as famílias e simultaneamente nas escolas. Os técnicos especializados como psicólogos e mediadores sociais são imprescindíveis nestes processos de inclusão e de não abandono. O sucesso pode sempre ter várias faces e aqui surge mais como a vitória da frequência escolar e da inclusão e menos como as aprendizagens realizadas. As mudanças, neste caso a escolarização, acontece, devagar.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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