Planeta prateado

Em poucos anos, Portugal será maioritariamente uma paisagem de ferro, silenciosa, espelhada. É uma verdadeira transição de uma imagem azul vista do espaço para uma imagem ofuscante e “prateada”.

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No Dia Internacional da Terra, comemorado todos os anos a 22 de Abril, continuamos a acompanhar a evolução do planeta. Jan Zalasiewicz, presidente da Subcomissão de Estratigrafia do Quaternário, considera que o funcionamento natural do planeta desapareceu, de forma acentuada e irrevogável, a partir de meados do século XX. De acordo com a hipótese de Gaia, proposta por James Lovelock e defendida por Lynn Margulis, o Homem era a única ameaça à resiliência que o planeta oferecia. A biosfera, estreitamente ligada e em interacção contínua, formava um sistema complexo, único e auto-regulado. Só o Homem podia quebrar essa capacidade, e já o fez.

Em pouco mais de 70 anos, o ser humano conseguiu alterar a composição da atmosfera, transformou a superfície terrestre, usa mais de metade da água doce corrente e de acesso fácil, cortou e desconfigurou os rios com a construção de barragens, esgotou ou diminuiu a população de peixes, em particular das zonas costeiras e passou a produzir fertilizantes que fixam muito mais nitrogénio do que é naturalmente fixado. Não há registo semelhante nos marcos da evolução do planeta.

Todas estas marcas deixadas pelo Homem ao longo do tempo são o corolário das alterações climáticas, que já tanto se fazem sentir. A ansiedade climática origina problemas de saúde, a poluição atmosférica mata mais do que os media comunicam e as medidas e investimentos em energias renováveis são compreendidas e aplaudidas pela sociedade.

A independência e a autoprodução energética são a grande aposta da Europa e de Portugal, em particular. Os projectos de energia renovável fotovoltaica em solos de baixo rendimento agrícola, nas barragens ou em zonas rurais abandonadas já alteraram fortemente a paisagem. Estão instalados em zonas semiáridas, com uma forte exposição solar, sem água acessível e barata. São os eucaliptais do século XXI.

Noutras zonas do país, e em projectos offshore, são os moinhos de energia eólica com impactes conhecidos nos ecossistemas terrestres e sem se conhecer ou prever os verdadeiros impactes nos ecossistemas marinhos. O interesse dos proprietários e das empresas alia-se ao dos governos. O importante é avançar na transição “verde”, economicamente rentáveis, com a criação de “empregos verdes”. Em poucos anos, Portugal, a “pequena casa lusitana” como Orlando Ribeiro intitulava, será maioritariamente uma paisagem de ferro, silenciosa, espelhada. É uma verdadeira transição de uma imagem azul vista do espaço para uma imagem ofuscante e “prateada”.

Se há três ou quatro anos havia uma leve esperança de que a valorização económica do produto interno bruto teria de entrar em conta com a salvaguarda dos recursos naturais, actualmente as ameaças à segurança interna da Europa afastaram essas boas intenções. Assim como os engenheiros do ambiente e os físicos alertam para os riscos catastróficos da alteração do clima, os ecólogos denunciam já a catástrofe real da extinção em massa. Não estamos a falar da extinção de espécies, porque isso sempre sucedeu ao longo da evolução, com a substituição de outras. Falamos da perda a pique do livro da vida: a diversidade de organismos que se tem perdido a uma escala de décadas e não de milhares de anos.

Tenho dito e repetido: crise climática e perda de biodiversidade estão interligadas. O clima afecta a variabilidade genética, a riqueza de espécies e a estabilidade dos ecossistemas. A perda de biodiversidade e a baixa resiliência dos ecossistemas afecta o clima: deixam de ser sumidores e passam a emissores de dióxido de carbono.

Os ecossistemas seminaturais que ainda restam no nosso país, os bosques ou matas urbanas e as zonas costeiras estão a saque de investidores e à mercê do oportunismo dos municípios. A identificação e declaração de zonas críticas que põem em causa a saúde ou segurança humanas, que deviam estar sujeitas a medidas especiais de protecção e salvaguarda, são facilmente ignoradas, gerando “acidentes” como quedas de falésias ou diminuição de linha de costa pelo contínuo desrespeito pelos sistemas dunares.

Até agora, o Homem tem sabido superar todas as catástrofes, melhorando a inteligência artificial e continuando a sua ambição de conquista de outros planetas. É a superespécie do planeta. De acordo com o registo geológico e a evolução da vida, as extinções em massa levam ao desaparecimento dos fracos e ao enfraquecimento dos fortes. Ou seja, é bom não esquecer que à medida que a transição do planeta, de um azul-esverdeado para prateado, é acelerada o agente causador passa também a vítima. Seremos capazes de o evitar?

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