Revolução é uma palavra muscular

Poesia Pública é uma iniciativa do Museu e Bibliotecas do Porto comissariada por Jorge Sobrado e José A. Bragança de Miranda. Ao longo de 50 dias publicaremos 50 poemas de 50 autores sobre revolução.

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Não contem os dias caros senhores.
Há coisas mais urgentes do que embalar o tempo em plástico
alveolar. É por aí que as horas fogem à palavra já,
esta palavra urgente até ao ínfimo segundo. Cada bolha
seria um ano mais de ditadura. Não vos dói o coração dos outros?
A boca parada da vida obriga-me a palavras como já e nunca mais.
São palavras de andar, têm um corpo muscular de sim,
músculos de acelerar a revolução enquanto os caros senhores
olham as canetas azuis com que se mata a literatura em nome
de qualquer coisa que não é decerto um livro que julgávamos
irremediavelmente publicado. Caros senhores, com abril a revolução
não teve um fim, teve um início que já tinha começado
antes de estiar as nossas vidas.
Não contem dias inúteis. A matemática habita o já
e a liberdade pode perigar no dedo mindinho, ou num capilar
de desatenção. A palavra do agora-sempre é revolução.
A palavra do aqui é já, um já modelado com alteres,
e ainda assim minúsculo para tanto exercício cardiovascular
sem necessidade de aquecimento.
A letra “J” é uma coluna que marcha à procura da letra “à”
e encontram-se numa fonte de cravos onde as gentes
bebem à porta da cidade morena, atravessada a noite
das prisões. Mas há sempre uma mão alheia a trabalhar na sombra
e melhor do que contarem as horas é vigiarmos nós o sol
para que nasçam sempre cravos, sempre o vermelho insanguíneo
da liberdade. A revolução é a única melodia do amanhecer.


Rosa Alice Branco. Escritora, professora, investigadora (Ph.D), tem 13 livros de poesia publicados em Portugal, quatro livros de ensaio, assim como livros e poemas em revistas no estrangeiro. Em 2022, publicou Amor cão e outras palavras que não adestram (Assírio & Alvim) e As cores das coisas (Contraponto).

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