A fase de alarme climático já passou, é tempo de realismo
O alarme surge numa fase prévia de uma crise ou catástrofe, ele deve surgir numa fase de emergência. O alarme surge como pré-anúncio ou aviso de um dano significativo de elevada probabilidade. Não deve surgir quando o dano, da crise ou catástrofe, já está a ocorrer.
Se definirmos Urgência como a razão entre o intervalo de tempo necessário para intervir e o intervalo de tempo disponível para implementar as medidas de mitigação do risco, então quando o primeiro for inferior ao segundo estamos numa fase pré-urgente (urgência proactiva), ou seja, numa fase emergente. No caso contrário, entra-se na fase urgente (urgência reactiva), na fase de consumação do dano com probabilidade de elevados custos e perdas.
O impacto da Urgência (de acção), que podemos definir por um índice de Emergência, resulta do produto do índice de Risco com o índice de Urgência (E = R x U). Em que o Risco é definido, como habitualmente, pelo produto da Probabilidade com o Dano. Quando o índice de Urgência for inferior a 1, a fase é de Emergência.
Já quando o índice de Urgência for superior a 1, a fase é de Urgência, pois o impacto do consequente Dano supera o potencial impacto do próprio Risco. (Assim foi na Covid-19, assim era feita a nossa análise na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa sobre Emergência Sanitária de Confinamento.)
Em função do tempo de resposta, ou inércia do sistema climático, a fase de Emergência Climática para limitar o aquecimento global de 1.5 a 2 graus Celsius situou-se algures entre 1970 e 2000. Período, durante o qual, a ciência já tinha demonstrado que, continuando a queimar combustíveis fósseis, a humanidade iniciaria no século XXI uma crise climática sem precedentes.
Entre 1970 e 2000 terá sido o período do Alarmismo, período em que se deveria ter agido proactivamente para evitar a fase de Urgência Climática. Na prática, existiu o Protocolo de Quioto como medida de resposta à Emergência Climática, mas os resultados foram inconsequentes. Depois de 2000, a cada ano que passou, tornou-se cada vez mais difícil (ver artigo). A janela de oportunidade foi-se fechando. Isto é, o período disponível foi-se reduzindo, aproximando-se rapidamente do período necessário para intervir, e a razão entre eles foi-se aproximando perigosamente da unidade.
Se tomarmos o limite de 1.5 graus de aquecimento global, estabelecido em 2015 no Acordo de Paris, então já se esgotou o tempo necessário e suficiente de mitigação, pois o rácio entre os dois períodos é já superior à unidade. Mas, se tomarmos o limite de 2.5 graus de aquecimento global, aparentemente, estaremos ainda dentro da fase de Emergência.
Para o cenário de 2.0 graus de aquecimento global existe uma elevada probabilidade de já termos também esgotado o tempo disponível para evitá-lo. De acordo com um estudo do The Guardian, 77% dos cientistas do clima que colaboram com o IPCC prevêem um aquecimento global acima dos 2.5 graus até ao final do século.
Ou seja, na entrada do novo século, após o ano 2000, sem soluções de escala para reduzir o elevado nível de emissões de carbono a nível mundial, entrámos num período em que a soma dos danos começa a superar o potencial impacto do risco. Entrámos no tempo do Realismo e da Urgência Climática (urgência reactiva), em que começámos a ter de enfrentar os impactos negativos das alterações climáticas. E isso tem sido evidente com o aumento da frequência de catástrofes naturais e eventos extremos (tempestades mais intensas, secas prolongadas e inundações, consecutivas ondas de calor, mega incêndios, degelo glaciar, etc.) que ocorreram nos últimos 20 anos.
Dada a elevada dinâmica da mudança climática global que estamos a presenciar, caracterizada por um conjunto de alterações ao nível das médias climáticas e seus desvios-padrão (precipitação, temperatura elevadas, secas, eventos extremos, erosão, desertificação, aquecimento dos oceanos, degelo dos glaciares, migração de espécies em latitude e altitude, subida do nível médio do mar, etc.), “travar” e “reverter” o aquecimento global neste momento não é tarefa fácil e mesmo, quiçá, possível.
Simplesmente, não conhecemos o comportamento do sistema climático na sua totalidade. Como várias vezes referido, existem múltiplos mecanismos de feedback positivo, uns desconhecidos, outros difíceis de modelar e outros modeláveis apenas por aproximação, que por vezes nos leva a acreditar que já não será possível travar o “comboio” e impedir o embate frontal de um planeta “sobreaquecido”.
A complexidade do sistema económico mundial, de uma sociedade global, plural e multilateral, baseado em princípios de crescimento contínuo, de valor acrescentado, de consumo descartável, de elevada intensidade energética, de maximização do lucro e do volume, sustentado pelo crédito fácil, pela obsolescência programada e pelo marketing e publicidade que alavancam o consumo, impede que as políticas de acção climática resultantes de acordos internacionais resultem numa efectiva mitigação climática.
Por outro lado, o alarmismo climático baseado numa ideia catastrofista é normalmente e ainda entendido, pela generalidade da sociedade e pelos poderes político e económico, como “ameaça” à estabilidade económica e social, uma ameaça à liberdade e à democracia. Mas não só, também as autocracias vêem nesse movimento uma ameaça, pelo que o eliminam à partida.
Face ao rápido desenvolvimento dos Indicadores Climáticos, os tempos de hoje deixaram de ser tempos de “alarmismo”. Isso foi no passado. Agora, porque o tempo de agir se acabou, é tempo de Realismo.
Porque é que agimos sempre de forma reactiva e não proactiva? Porque é que estamos ainda à espera da confirmação da “catástrofe total”, do “colapso”? Há dúvidas sobre o caminho que o nosso clima está a seguir? Um aquecimento global acima de 4 graus é estupidamente absurdo para a sobrevivência da humanidade.
Com tanta informação e conhecimento científico, teremos ainda dificuldades em compreender a complexidade e inércia do nosso sistema climático? Ou estamos demasiado acomodados ao conforto, conseguido graças ao elevado consumo dos recursos fósseis? Estaremos demasiado agarrados aos “direitos adquiridos” do desenvolvimento alcançado? E quais serão os direitos das gerações futuras, sem poderem queimar mais combustíveis fósseis, depois de esgotados os recursos minerais e as reservas naturais, sem um ambiente de qualidade?
Deveremos subestimar e desvalorizar todo o alarmismo que existiu até hoje e que continua a existir? Devemos acreditar menos na Ciência e mais no que alguns nos querem fazer crer? Ou, pelo contrário, deveremos ser realistas, avaliar as ameaças das alterações climáticas e assumir, com objectividade e determinação, a mudança de paradigma com vista à verdadeira sustentabilidade climático-ambiental e da sociedade que criámos?
Sem uma temperatura média adequada e um clima em equilíbrio não haverá economia global sustentável. E sem uma economia global sustentável não haverá sociedade global desenvolvida.