Solidão: medo de sentir ou de não sentir?

Medo da solidão? Ou medo de não a ter? Bem, ambos. Ou, esperemos, nenhum, pois os equilíbrios emocionais e relacionais não se devem fazer a medos.

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Megafone P3: Solidão: medo de sentir ou de não sentir? Pexels/ Cottonbro
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Pode ser encarada como um dos grandes malefícios das sociedades contemporâneas, designadamente ocidentais. Perante a proximidade digital que hoje presenciamos, e para a qual contribuímos, existe um vazio interno concomitante que amiúde nos impede o autoconhecimento, a introspecção, um caminho mais isolado de reflexão e mobilizador da consciência. E este sentimento é quase sempre – poderia apostar 99% das vezes – visto como amedrontador, pois a sua existência causa aflição, angústia, tormento. Do que falamos? Sim, da solidão.

A ideia de se estar só, tendencialmente, corporiza o que existe de mais negativo na ausência de seres humanos (e até não humanos, mas vivos), contrariando, em simultâneo, aquilo que as pessoas frequentemente mais comemoram: a festa, o espectáculo, os rituais colectivos, a comunidade. Em todos estes conceitos existe uma dimensão de união, realçada pela comemoração da presença, da proximidade e da partilha. Em contrapartida, a solidão é vista como tudo o que aquelas coisas não são: a melancolia, o distanciamento, a antissociabilidade, o retraimento. Logo, aspectos claramente pouco animadores.

Mas e se não sentir solidão for igualmente problemático? Se a vida que levarmos for tão agitada que não temos momentos de repouso, de desligamento, capazes de nos revitalizarem? Ou se os dias forem tão marcados pela frequência de outros que, a pouco e pouco, perdemos a nossa identidade, sujeitando-nos às cedências (mal-)negociadas que sempre acontecem nas relações sociais?

Ora, decerto que este também não é o caminho mais desejado. Não devemos temer passar tempo com os nossos familiares, os nossos amigos, os nossos colegas de escola ou de trabalho, nem recear elaborar planos conjuntos com estes actores que visem reforçar os laços comuns. O ser humano é, como todos sabemos, um ser biopsicossocial, condição que implica que, para sobreviver, precisa de estabelecer comunicação com os outros. Todavia, esta necessidade ou até mesmo a vontade de querer muitas pessoas por perto não se deve impor às competências individuais de pensarmos sobre as nossas perspectivas e de seguirmos os rumos que mais bem entendermos como positivos para nós – e de termos e exigirmos tempo para pensarmos nisso. Afinal, somos os protagonistas das nossas próprias vidas.

Acima de tudo, o ego não é sinónimo de egocentrismo. Porque o primeiro é um elemento a ser trabalhado, enquanto o segundo é uma postura escolhida de arrogância, sobranceria e falta de empatia. Mas vejamos um caso que a todos pode ocorrer: a perda de uma amizade, mais ou menos duradoura. Não falo da morte física desta amizade, porém, “apenas”, da sua morte social. Para muitos, este é um evento que pode ir da tristeza ao trauma, porque são vários os factores que influenciam a força do ser amigo: o tempo que permitiu os laços durarem; a qualidade dos mesmos; ou as circunstâncias que conduzem ao seu rompimento. Porém, quando sofrer o desaparecimento de uma amizade, supostamente para nós valiosa porque a ela nos dedicámos, não proporciona tanta dor, e ficarmos sós não nos ataca com tanto desânimo, seremos pessoas frias? Sujeitos sem capacidade de compreensão ou de interesse afectivo por terceiros?

Tomar as rédeas da própria vida e seguir solitariamente é frequentemente uma decisão que não escapa a julgamentos. Uns dirão “tu não ouves ninguém, só queres saber do que tu pensas”, quando se tratará de não ser submisso a todas as opiniões alheias; outros virão com a história de “tu não valorizas nada nem ninguém”, dramatismo que cede às conveniências da discussão do momento; outros ainda, de maneira muito simples, afastar-se-ão por não considerarem sofrer da obrigação de ter de lidar com alguém que, de repente, não pensa, sente ou se expressa como eles. Tudo isto porque nós – todos enquanto humanidade – muitas vezes não conseguimos aceitar bem a independência dos outros, sendo considerada uma afronta.

Nunca devemos partir para uma relação por necessidade, mas sim por gosto, pela qualidade na vertente de acrescento que ela deverá proporcionar. Por isso, deixo a questão: medo da solidão? Das suas repercussões, da sua intensidade? Ou medo de não a ter, de não possuir um espaço pessoal de análise e ponderação? Bem, ambos. Ou, esperemos, nenhum, pois os equilíbrios emocionais e relacionais não se devem fazer a medos.

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