Cancro da pele a crescer em Portugal: como conviver bem com o sol?

Dados do Registo Oncológico Nacional (RON) apontam para um aumento da taxa de incidência de melanoma em todas as faixas etárias de 2000 a 2020. A razão está, em parte, no “comportamento das pessoas”.

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A faixa etária onde o aumento na taxa de incidência se verifica de forma mais marcante é na dos 75 ou mais anos Matilde Fieschi/Arquivo
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Assimetria, bordos, cor e diâmetro. São estas as características a que se deve estar atento em sinais no corpo para identificar um melanoma — aquele que é o tipo mais grave de cancro de pele tem visto o seu número de casos aumentar progressivamente. Em Portugal, a taxa de incidência de melanoma tem crescido gradualmente ao longo dos anos. Nesta quinta-feira assinala-se o solstício de Verão, o dia mais longo do ano, quando o sol se põe mais tarde.

Segundo dados fornecidos ao PÚBLICO pelo Registo Oncológico Nacional (RON), entre 2000 e 2020 verificou-se uma ampliação da taxa de incidência de melanoma em todos os grupos etários. João Maia Silva, dermatologista e coordenador da Unidade de Melanoma no Instituto CUF Oncologia, explica que este aumento se deve, em parte, ao “comportamento das pessoas”. E explica: “O cancro da pele está intimamente ligado ao padrão de exposição solar e, portanto, quer seja por dose cumulativa [de exposição solar], quer seja muitas vezes por padrões do género — a pessoa não apanha sol nenhum, está no escritório, e depois vai durante 15 dias de férias para um sítio com muito sol e apanha escaldões —, ambos os padrões têm levado a que as pessoas se coloquem em maior risco.”

A faixa etária onde o aumento na taxa de incidência se verifica de forma mais marcante é na dos 75 ou mais anos. Para este grupo, a taxa de incidência passou de 15,76/100 mil pessoas/ano, no triénio 2000-2002, para 36,88/100 mil, o que corresponde a um aumento de 57,24%. Segue-se o grupo entre os 65 e 74 anos, onde o valor passou de 15,65 para 29,58 em 100.000 pessoas/ano, entre 2018 e 2020, aponta o RON.

João Maia Silva esclarece que os grandes números de melanoma nas faixas etárias mais avançadas se justificam pelo facto de serem as pessoas que “estão a viver mais anos”, acumulando uma maior exposição solar, mas não deixa de alertar que é necessário ter “atenção com as pessoas mais novas”. Assim, na faixa etária dos 25 aos 64 anos, a taxa de incidência passou de 4,8 para 8,36 em 100 mil pessoas/ano.

Além das faixas etárias, há também diferenças entre os géneros que, mais uma vez, o especialista atribui a padrões de comportamento. Há um aumento da taxa de incidência entre os homens, de todos os grupos etários, excepto o dos 25 aos 64 anos, onde as mulheres prevalecem. “Basta pensar num factor: querer ficar bronzeada. Vou logo prolongar os meus tempos de exposição e colocar-me em situações de risco”, exemplifica o especialista, reflectindo qual será o pensamento das mulheres.

Não aos solários

Anualmente, segundo a Liga Portuguesa Contra o Cancro, em Portugal, surgem cerca de 1500 novos casos de melanoma. Este acontece quando os melanócitos, responsáveis pela produção de melanina, pigmento que dá à pele a sua cor natural, se tornam malignos. A doença pode ocorrer em qualquer superfície da pele. Nos homens, o melanoma encontra-se muitas vezes no tronco (zona entre os ombros e as ancas), ou na cabeça e pescoço. Nas mulheres, desenvolve-se muitas vezes na zona inferior das pernas.

Além da exposição solar, que pode contribuir para o aparecimento do melanoma, o dermatologista João Maia Silva chama ainda a atenção para os solários. Estes equipamentos “emitem radiação ultravioleta, o que está mais do que documentado, mesmo pela Organização Mundial de Saúde”, que contribuem para os factores de risco, declara. Também a Associação Portuguesa do Cancro Cutâneo já se pronunciou sobre o tema, defendendo o encerramento destes espaços.

A par da vertente comportamental, o dermatologista aponta ainda a “capacidade de fazer diagnóstico”, adicionando que actualmente existe equipamento capaz de levar a cabo um “diagnóstico mais fino”, sendo possível tratar “mais cancros de pele” precocemente. No entanto, João Maia Silva tem observado uma tendência crescente da preocupação com a pele nos mais jovens, o que pode ser produto da explosão de vendas de produtos de cuidados da pele entre adolescentes.

“Os cuidados das pessoas com a pele têm vindo a aumentar, pelo menos é essa a nossa percepção e, principalmente, entre os jovens, que estão a adquirir práticas de cuidados com a pele, o que há uns anos não era normal. Estamos a falar dos adolescentes com o famoso skincare”, explica. No entanto, estas práticas também podem trazer preocupações. “Muitas vezes [os jovens] até fazem coisas que não são necessárias. Do ponto de vista médico, nem têm uma indicação formal e acaba por ser mais na influência da comunicação das plataformas digitais ou das próprias marcas, no sentido de aumentar o consumo de determinados produtos, e é algo que também nos preocupa”, alerta.

A forma de prevenção do cancro da pele mais conhecida reside na utilização de protector solar. No entanto, João Maia Silva alerta para a “falsa sensação de segurança” que este produto pode trazer a quem o põe. “A utilização do protector solar não é só por si uma protecção única. O facto de [a pessoa] estar a utilizar protector solar dá-lhe uma falsa sensação de segurança e acaba por prolongar os tempos de exposição. Há estudos que mostram que as pessoas que utilizam protectores solares de maior índice, por ficarem com uma ideia de que estão superprotegidas, reaplicam menos vezes e em menor quantidade. Portanto, isto coloca-as numa situação de perigo. Acabam por ter mais escaldões, muitas vezes”, aponta.

Contudo, apanhar sol faz falta à população portuguesa, que tem um défice de vitamina D dois em cada três portugueses têm falta desta vitamina, responsável por construir e manter os ossos saudáveis, regular os níveis de insulina, apoiar o sistema imunitário e o sistema nervoso —​, e esta pode ser obtida através da exposição solar. O segredo, segundo o especialista, é “conviver bem com o sol”.

A mensagem “não pode, nem deve ser” a de não recomendar apanhar sol, ou não ir à praia ou passear ao ar livre, mas fazê-lo nas horas mais indicadas. E o médico exemplifica: “Uma pessoa não deve começar uma volta de bicicleta às 10h para acabar às 14h, num dia de muito sol. Tem de sair mais cedo, ou levar um vestuário que a proteja. É comportamento, é conviver bem, é fazer tudo o que nós queremos fazer, mas com cuidado.”


Texto editado por Bárbara Wong

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