A descrença política, a falta de informação sobre determinadas questões sociais mostram criar generalizações negativas, intolerância e polarização no espaço público. Frequentemente grupos minoritários – que mesmo não sendo minoritários são menorizados pela totalidade do corpo social – são visados como “ameaça” à “segurança”, aos “valores morais” e à “identidade nacional”. A chegada da direita radical a Portugal em 2019 mostrou, também, contribuir para o crescimento de um discurso público mais agressivo onde os meios de comunicação e informação são instrumentalizados para atacar determinados cidadãos e/ou comunidades.
As discussões em torno de temas como a “ideologia de género”, a perseguição a determinadas comunidades racializadas, a castração química ou a pena de morte, foram apenas alguns dos temas polémicos que a direita radical portuguesa trouxe para a esfera pública e mediática portuguesa. O discurso de ódio, o machismo, racismo, homo-bi-transfobia, são eixos centrais em determinados programas políticos em vigor, entre os quais os da direita radical.
Recentemente, as Nações Unidas, num relatório do Comité dos Direitos Humanos, mostrava a sua preocupação com os relatos de preconceito e discurso de ódio contra grupos vulneráveis em Portugal. Em concreto, os discursos dirigidos às comunidades ciganas, afrodescendentes, muçulmanos e pessoas LGBTQI+, difundidos nos media e redes sociais através de conteúdos de desinformação. A construção de perceções estigmatizantes destas comunidades, através da normalização de determinadas expressões e estereótipos, mostram favorecer ambientes de agressão e discriminação não apenas no espaço online – onde se dispersam pela força de um click — como no quotidiano.
Lembramos a posição de Aguiar-Branco, atual Presidente da Assembleia da República, perante a intervenção de André Ventura no passado mês de maio, ao qual o líder do Chega rebaixava a inteligência e força de trabalho do povo turco. O presidente da Assembleia da República não só deixa cair os estereótipos proferidos por Ventura como confunde discurso de ódio com liberdade de expressão, afirmando: “Não serei eu nunca a cercear a liberdade de expressão".
Afinal, o que é discurso de ódio? E liberdade de expressão? Perante tal confusão consultámos o manual Discurso de ódio, jornalismo e participação das audiências (Almedina, 2021), coordenado pela investigadora Marisa Torres da Silva, onde se define expressão e discurso de ódio como:
“A expressão 'discurso de ódio' é, com efeito, habitualmente utilizada para referenciar mensagens hostis e de incitação à violência, atacando e diminuindo grupos-alvo com base nas características (percebidas ou reais) como género, orientação sexual, raça, religião, etnia, cor ou nacionalidade. O discurso de ódio visa, nessa medida, silenciar, humilhar, intimidar, discriminar, perseguir, ameaçar, desumanizar, degradar, excluir ou amedrontar, bem como fomentar insensibilidade e incentivar à brutalidade.” (Silva, 2021: 15).
Aguiar-Branco ao permitir posições extremistas contra determinados cidadãos – neste caso o povo turco – não só permite a proliferação de conteúdos inflamatórios contra as comunidades migrantes em Portugal como sustenta a normalização do discurso de ódio no debate público português.
Ainda que a conduta de ódio esteja prevista no ordenamento jurídico português, contemplando um conjunto de normas que protegem os cidadãos, a complexidade da definição do discurso e expressão de ódio, muitas vezes marcadas com estratégias defensivas em torno da liberdade de expressão, mostram dificultar a regulação e averiguação deste tipo de crime penal.
Mas, o que fazer? Vários estudos e projetos de investigação mostram não só a necessidade de atualizar as normas legais que criminalizam as condutas de ódio e discriminatórias; da denúncia de situações de discriminação e incitamento ao ódio; assim como da informação e educação para a criação de contranarrativas baseadas em valores democráticos como são o respeito mútuo, a confiança e a equidade.
Apostar em soluções coletivas, reforçar a responsabilidade cívica para um problema que mostra não só ser complexo como diz respeito a todos, é apostar na defesa e fortalecimento da democracia e da liberdade de expressão.