Escalada no Médio Oriente: quem quer a guerra foge da paz

É a desculpa que um homem com a corda no pescoço quase pendurado pela forca precisava para se salvar.

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Eu tenho dito com alguma frequência que a guerra de Israel contra o Hamas em Gaza dificilmente escala para um nível regional. Mas o contexto mudou.

Joe Biden saiu da corrida presidencial e agora tem seis meses para deixar um legado, sem pressão eleitoral direta sobre ele e com a expectativa de resgatar algum do eleitorado progressista e muçulmano que está hoje desapontado com o partido democrata. O fim do massacre em Gaza e o retorno dos reféns israelitas seria um grande feito que ficaria para a história do seu mandato.

Kamala Harris tem agora voz própria, não como vice-presidente, mas como candidata presidencial, e precisa igualmente mostrar ao eleitorado de Estados cruciais como o Michigan (com vasta comunidade muçulmana) que se eleita não vai prosseguir as mesmas políticas do seu antecessor que, na prática, têm sido incontestavelmente coniventes com a guerra sem limites morais ou humanos, garantindo quase sem condições os meios para a sua prossecução. É objetivamente inegável: a alteração de comportamento da administração Biden desde 7 de outubro foi predominantemente discursiva.

Por outro lado, há uma chance real de Donald Trump vencer essas eleições, o que poderia levar (como já aconteceu no seu primeiro mandato) a uma radicalização da política dos EUA face ao Médio Oriente, facilitando ainda mais e eternizando o esforço de guerra israelita, colocando os palestinianos numa posição ainda mais vulnerável.

E, por fim, sempre a orbitar todos estes acontecimentos e a puxar da calculadora política para fazer contas à sua vida, está o Primeiro-Ministro israelita, Benjamin Netanyahu. Nunca devemos nos esquecer que um homem que está a ser julgado na justiça do seu próprio país por crimes de corrupção, na praça pública por subverter o Estado democrático de direito, e no Tribunal Penal Internacional, em risco de ter um mandado de captura emitido em seu nome por crimes de guerra, precisa urgentemente de motivos para não cessar fogo, não estabilizar o país, não trazer os reféns para casa e não parar a guerra. Isto porque a paz dá lugar à reflexão, à responsabilização, às eleições. E Netanyahu não tem muitos lugares seguros para si nem no mundo, nem no seu país se deixar de ser Primeiro-Ministro.

E eis que um evento horrível – mais um –, que vitimou crianças e uma comunidade Druze no norte de Israel, em território Sírio anexado, aparece num momento em que Netanyahu está em pressão acrescida, de todos os lados, para parar de dar desculpas inexplicáveis e aceitar finalmente um cessar-fogo que traga os reféns israelitas para casa e dê algum alívio aos palestinianos em sofrimento tremendo em Gaza. E Netanyahu foi novamente salvo pelo gongo. Agora promete retaliar – como nunca até então – contra o Hezbollah, que nega o ataque ao norte de Israel. Já se fala num possível ataque contra o aeroporto de Beirute e os portos da região. As embaixadas dos países ocidentais pedem que seus cidadãos deixem o país. E o Médio Oriente nunca esteve tão perto de uma escalada desde o início deste novo episódio de guerra, o mais sangrento deste “conflito” no século XXI.

Continuo a achar que uma guerra regional é improvável e que diversos outros atores como os EUA, o Reino Unido, a França e a ONU vão procurar demover Netanyahu tanto quanto possível de uma escalada nesta altura. Mas que é a desculpa que um homem com a corda no pescoço quase pendurado pela forca precisava para se salvar, isto é. E que a loucura autocrática e egoísta de Netanyahu não tem limites, já sabemos e temos prova dada.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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