“Não será fácil voltarmos a entrar num helicóptero. Mas é preciso apagar os fogos”

Habituados a trabalhar em cenários de extrema perigosidade, membros de unidade de elite da GNR tinham conseguido escapar até hoje quase incólumes à tragédia.

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Militares da GNR estão estacionados nas bases e são levados de helicóptero para o combate aos fogos Daniel Rocha
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As quatro mortes que assolaram a unidade de elite criada na GNR em 2006 para combater incêndios vão pesar durante muito tempo na memória dos que ficaram, ou não fossem os seus homens e mulheres unidos como uma família.

Habituados a trabalhar em cenários de extrema perigosidade, tinham conseguido escapar até hoje quase incólumes à tragédia: antes desta fatídica sexta-feira, apenas se havia registado uma morte em serviço nos 18 anos de existência da Unidade de Emergência de Protecção e Socorro. Foi quando, em 2012, no concelho de Viseu, um operacional de 32 anos foi atropelado por um automobilista que não o viu no meio do fumo do incêndio que combatia.

Anos mais tarde, houve militares que ficaram marcados para toda a vida, por causa das queimaduras que sofreram em serviço, mas mais ninguém voltou a morrer. Na altura, as chefias dos GIPS, como então se chamavam - acrónimo de Grupos de Intervenção de Protecção e Socorro - queixavam-se da falta de meios com que se confrontavam os operacionais: faltavam luvas, fardas, botas apropriadas às elevadas temperaturas a que se sujeita quem anda nesta vida.

"Elevado sentido de dever"

João Paulo Saraiva, presidente da Associação de Protecção e Socorro, deu formação a alguns dos seus membros, incluindo um dos que agora desapareceram em Lamego, e trabalhou com eles no terreno. “O que sucedeu é uma tragédia, agravada pelo facto de serem todos muito próximos, como uma família”, descreve, recordando a forma como, no incêndio do Caramulo, em que pereceram quatro bombeiros, em 2013, chegaram a pôr as suas vidas em risco para evitar que mais vidas fossem ceifadas. “Têm um elevado sentido do dever e no terreno dificilmente há forças mais bem preparadas”, garante. No ano passado prestaram ajuda nas buscas e salvamento após o sismo que se registou na Turquia e também na grande vaga de incêndios florestais do Canadá.

Ao todo são cerca de 1200 efectivos espalhados por todos os distritos do país que, além desta missão, também desempenham funções de busca e resgate, têm capacidade para lidar com substâncias perigosas e contam ainda com uma equipa de mergulhadores. No combate aos fogos fazem-se transportar habitualmente de helicóptero. São as chamadas equipas helitransportadas, constituídas por grupos de pelo menos cinco militares e equipadas com material sapador para efectuar combate directo ao fogo assim que ele surge. As aeronaves deixam primeiro os homens no terreno e só depois vão buscar água para apagar as chamas.

Baltazar Correia é um destes militares, e confirma os fortes laços de amizade que unem os membros desta unidade. “A partir de agora revejo-me todos os dias neste acidente”, observa. Sabe que vão ser duros os próximos tempos: “Não vai ser fácil entrarmos outra vez num helicóptero”, admite este dirigente da Associação dos Profissionais da Guarda. “Mas os incêndios vão continuar e é preciso apagá-los. Por mais que nos custe, a vida tem que continuar”.

Ainda não é claro que tipo de compensação vão ter as famílias dos que desapareceram. É certo que tinham um seguro de acidentes profissionais como qualquer trabalhador por conta de outrem, mas a empresa contratada pelo Estado, a HTA Helicópteros, também terá um seguro. Resta saber o que cobre e se os militares vitimados serão considerados passageiros ou tripulantes. A firma esteve em silêncio ao longo de toda esta sexta-feira.

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