Defesa de Ricardo Salgado pede nova perícia neurológica para evitar julgamento

Advogados dizem que Portugal se arrisca a ser condenado no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos caso insista em julgar ex-banqueiro.

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Ex-banqueiro Ricardo Salgado responde por mais de seis dezenas de crimes no caso BES/GES PAULO CUNHA / LUSA
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Os advogados de Ricardo Salgado querem que o ex-banqueiro seja submetido a uma nova perícia neurológica, com o objectivo de provar que o arguido não está em condições de enfrentar julgamento no caso do colapso do universo Espírito Santo. O arranque do julgamento está marcado para 15 de Outubro.

Apesar de o antigo “dono disto tudo”, como era conhecido, sofrer comprovadamente de Alzheimer, até hoje a sua defesa nunca conseguiu que o seu estado clínico fosse considerado suficientemente grave para evitar os julgamentos em que tem respondido. Em Junho passado, Ricardo Salgado foi condenado a seis anos e três meses de prisão no caso EDP.

As perícias feitas no âmbito deste processo judicial reconheceram o declínio cognitivo do antigo presidente do Grupo Espírito Santo, mas uma das especialistas que participou nesta avaliação, e cujo parecer os advogados têm tentado invalidar, pôs a hipótese de o arguido ter tentado exagerar nos sintomas durante o exame. Sucede que se trata de uma psicóloga habituada a lidar com patologias juvenis, e não de seniores.

No final do ano passado, os especialistas concluíram que, mesmo não impossibilitando a sua comparência em tribunal, as declarações de Ricardo Salgado à justiça podiam não se revelar fidedignas, uma vez que o ex-banqueiro apresentava diminuição das funções cognitivas. Mais recentemente, em Julho passado, o tribunal cível de Cascais reconheceu que não estava em condições de depor em audiência de julgamento devido à doença, num processo do Estado contra o ex-banqueiro e a sua mulher.

Tendo em conta que esse estado – que os advogados diziam na altura ser o segundo mais grave da doença – pode entretanto ter piorado, a defesa do arguido garante que o seu julgamento nestas condições acarretará uma violação dos direitos humanos. “E, consequentemente, a condenação de Portugal pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos”, antecipam os advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squillace, que indicam qual a unidade de saúde que consideram mais indicada para a nova perícia neurológica: o Laboratório de Estudos da Linguagem da Clínica Universitária de Neurologia da Faculdade de Medicina de Lisboa, que funciona no Hospital de Santa Maria.

A defesa de Ricardo Salgado cita alguns casos internacionais com contornos semelhantes, como o do ex-banqueiro alemão Christian Olearius, acusado de uma mega-fraude fiscal: “A 24 de Junho de 2024, o Tribunal Regional de Bona considerou que não podia continuar a ser sujeito a julgamento penal, em razão do seu débil estado de saúde.”

A contestação prossegue com outro caso, desta vez relacionado com abuso de menores: “Também recentemente, em Janeiro de 2024, o Tribunal do Wisconsin extinguiu o processo-crime contra o antigo cardeal Theodore McCarrick, precisamente porque considerou que este arguido era unfit to stand trial [incapaz de ser julgado], em virtude da sua doença de demência”.

No que a Ricardo Salgado diz respeito, os advogados querem que os peritos digam se se encontra “em condições de, pessoalmente, prestar declarações em fase de julgamento sobre os factos constantes da acusação” e de lhes dar orientações sobre a melhor forma de o defenderem. Mas também se a patologia neurológica de que padece tem cura.

E argumentam que a responsabilidade penal do arguido neste processo deve ser extinta ou, no limite, suspensa, “enquanto se mantiver a situação clínica que tolda a sua capacidade para, pessoalmente, exercer a sua defesa no presente processo”.

Lamentando que o ex-banqueiro esteja há uma década a suportar “permanentes violações dos seus direitos”, entre “condenações sumárias na praça pública” e “fugas cirúrgicas ao segredo de justiça para alimentar as capas de alguns jornais”, Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squillace dizem que a história do BES/GES não pode ser reduzida a uma “associação criminosa”.

E fazem um resumo daquilo que consideram ter sido o legado do grupo económico: “Mesmo depois da tragédia de 2014, conseguiu deixar um valioso legado entregue, por tuta e meia, a investidores estrangeiros. Hoje sabemos que a Espírito Santo Saúde – uma das mais inovadoras e principais empresas de prestação de cuidados de saúde do país - se transformou em Luz Saúde do Grupo chinês Fosun”, salientam. “Sabemos que a companhia de seguros Tranquilidade se tornou parte de um dos mais reconhecidos grupos seguradores internacionais, o grupo Generali. Que os Hotéis Tivoli, vendidos em 2016 ao Minor Group por 294 milhões, já permitiram a este grupo tailandês um encaixe de 461 milhões com a venda de apenas 5 das suas unidades”.

Neste processo o ex-banqueiro responde por mais de seis dezenas de crimes: associação criminosa, corrupção activa, burla qualificada, branqueamento e manipulação de mercado, entre outros delitos.

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