Carros eléctricos? Não basta comprá-los, é preciso carregá-los

De nada adianta incentivar a substituição dos carros a combustão se não se der resposta às questões que surgem com eles, como o carregamento acessível e universal.

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Os incentivos à mobilidade eléctrica vieram para ficar, mas não são ainda decisivos. No caso das empresas, os benefícios fiscais podem fazer a diferença entre optar por um carro a combustão ou um veículo de emissões nulas. No caso das famílias, o efeito não é o mesmo.

No momento da troca, um apoio de 4000 euros não faz assim tanta diferença no orçamento de alguém remediado que vem aguentando o seu carro em segunda mão há vários anos e que, para beneficiar do apoio total, teria de o abater e avançar para a compra de um eléctrico novo (que custe até 38.500 euros).

Se 4000 euros fossem suficientes para efectivar a necessária mudança de paradigma (já eram 4000 até agora, embora as condições de acesso fossem diferentes), não teria havido uma indignação tão grande quando o anterior executivo quis agravar os valores do Imposto Único de Circulação (IUC) para os automóveis anteriores a 1 de Julho de 2007.

Acresce que, além de o apoio financeiro previsto não ser assim tão robusto para convencer quem tem menos dinheiro disponível ou está em início de vida a fazer uma escolha mais amiga do ambiente, a verdade é que não basta incentivar os carros eléctricos para eles se tornarem uma opção acima de qualquer outra. E também não basta comprá-los. É preciso carregá-los.

Carregar um carro eléctrico não é como ir à bomba de gasolina. Em Portugal, mesmo nas cidades que se dizem no top das que têm mais estações de carregamento por mil quilómetros de estradas, arranjar um lugar para "alimentar" o carro é uma aventura. Há zonas onde os postos são muito disputados e, quando avariam, demoram um tempo inaceitável a ser consertados. Nos condomínios também ainda não há soluções pacíficas e muitos prédios não têm nem garagem nem infra-estruturas para responder às exigências da descarbonização.

Se há dificuldades nas zonas mais bem servidas do país e das cidades, imagine-se como será no interior e fora dos centros urbanos. De pouco adianta incentivar a substituição dos carros a combustão sem dar uma resposta mais eficaz às questões que surgem com os eléctricos, como o carregamento acessível e universal.

Uma nota final sobre o meu anterior editorial intitulado Um grande e raro consenso, sobre a escolha de Amadeu Guerra para a PGR. Numa frase referente aos “megaprocessos” do DCIAP, departamento que o magistrado liderou, escrevi que foi também com “ele que se desenvolveu o conceito de ‘megaprocessos’, e a avaliação que um dia se fizer sobre o sucesso ou insucesso dessas grandes investigações" há-de reflectir-se "positiva ou negativamente no seu legado”. Foi uma observação pouco justa, tendo em conta o que Amadeu Guerra confessou em 2017, num colóquio: “Também eu odeio os ‘megaprocessos’.”

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