O medo nasce com o amor

Quando os medos surgem de todos os lados, como aqueles glutões dos anúncios dos detergentes à procura das nódoas, é tempo de procurar ajuda profissional, sem preconceitos.

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EDUARDO MOSER/SANDRADESIGN
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Querida Mãe,

Tenho medo. Desde que os meus filhos nasceram que tenho sempre medo. Um medo distraído, às vezes controlado, mas sempre presente.

E, à medida que vou crescendo, já não acredito que alguma vez o vá perder.

Tenho medo que se magoem.
Que não tenham amigos.
Que o coração se parta de uma forma profunda e irremediável.
Que não consigam perdoar os irmãos.
Que não consigam encontrar um amor.
Que não consigam ser pais (se assim o quiserem).
Que fiquem presos a algum vício.
Que desenvolvam alguma doença mental ou física.
Que tenham de lidar com a morte de alguém que lhes seja próximo.
Que alguém abuse deles, física ou emocionalmente.
Que eu morra e não possa estar cá para eles.

E, mãe, estas categorias subdividem-se em outros 130 mil medos, mais pequenos, muito mais insignificantes, mas que também pesam.

Aquilo que não nos dizem é que estes medos não desaparecem à medida que eles crescem, aliás, alguns deles até pioram substancialmente, já que perdemos (como devemos) controlo e presença física.

E, no entanto, vivemos e convivemos, almoçamos e jantamos. E deixamo-los ir à festa x ou a subir à arvore y, porque é preciso, porque sabemos que o maior medo de todos é que não cheguem a viver, a rir, a amar e, até, a sentir medo.

Mas, mãe, como é que podemos gerir este medo para que não nos consuma? Como é que podemos saber quando o medo ultrapassa o “normal” e precisamos de ajuda?

Beijinhos


Minha querida filha,

Há momentos em que só queremos sentar os nossos filhos adultos ao colo e abraçá-los, sossegando-os como fazíamos quando eram pequeninos e acreditavam piamente que éramos capazes de os proteger de todos os perigos. E, muitas vezes, éramos contagiados pela vossa fé em nós e, empoderados por ela, também os nossos medos desapareciam. Talvez o método ainda resulte e sirva para recarregarmos a ilusão de que vamos conseguir passar entre os pingos da chuva. Vamos experimentar?

Mas será sempre um paliativo, porque quando amamos alguém temos imediatamente medo que sofra, medo de a perder — é o outro lado da moeda, não há volta a dar, pela simples razão de que o medo da morte nasce connosco e é a consciência da nossa finitude que nos torna humanos.

O extraordinário, na verdade, é a capacidade de suspender da consciência todas as possibilidades trágicas, de forma a deixarmos que os nossos filhos se afastem de nós e corram riscos, sem que o terror nos paralise. Sabemos que é a única solução, tanto para nós quanto para eles, porque, como garante o psicoterapeuta Irvin D. Yalom, de quem ambas tanto gostamos, “quanto menos vivida for a nossa existência, maior é a ansiedade da morte”.

Mas suspeito que nós, mães, corremos um risco acrescido de hipotecar os nossos desejos e a nossa realização pessoal, vivendo em função dos nossos filhos (pequenos e grandes), morrendo devagarinho por dentro nessa renúncia a uma existência individual, a uma história pessoal. Quando desequilibramos os pratos da balança, desconfio que projetamos a nossa frustração nesses medos, agigantando-os, procurando que, afinal, justifiquem o nosso estado de alerta permanente.

Fazemos mal, mesmo que com a melhor das intenções, porque só de baterias carregadas pela energia de uma vida plena, conseguimos impedir que a escuridão nos invada. E só quando nos virem lutar por uma vida própria, que em nada diminui o amor que lhes temos, serão capazes de perceber que terão, também eles, de seguir o seu caminho, libertando-se desse colete de forças que é o medo do desconhecido.

Não, Ana, não estou a dizer que devemos varrer os medos para debaixo do tapete, porque senão corremos o risco de pensar que está tudo bem até ao instante em que somos surpreendidos por um ataque de pânico, um simulacro de morte que é sempre profundamente traumatizante. Temos de agir antes de lá chegar. Quando os medos surgem de todos os lados, como aqueles glutões dos anúncios dos detergentes à procura das nódoas, é tempo de procurar ajuda profissional, sem preconceitos. Não há nada que meta mais medo aos medos do que a coragem de os enfrentar.


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990.

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