A crise de um quarto de idade

Se, em Portugal, a esperança média de vida é de 80 anos, significa que a crise de um quarto de idade nos atinge na casa dos 20. Nesta fase queremos tudo para ontem.

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Falamos da crise de meia-idade para nos referirmos a adultos que regridem na sua idade biológica e se começam a comportar como adolescentes. No entanto, há um fenómeno que se vive antes de chegarmos a esta crise e essa é a crise de um quarto de idade.

Se, em Portugal, a esperança média de vida é de 80 anos, significa que a crise de um quarto de idade nos atinge na casa dos 20. Nesta fase queremos tudo para ontem. Queremos ter dinheiro para comprar uma casa, ter um trabalho que nos motive, encontrar o amor da nossa vida, viajar e ir para os copos.

Se dantes imaginávamos que com 25 anos seríamos empreendedores bem-sucedidos, activistas que mudam o mundo ou advogados pela paz e direitos humanos, agora sentimos que somos crianças vestidas de fato numa grande peça de teatro. Quando éramos “pequenos” víamos pessoas com 20 anos como pessoas “crescidas", mas agora que aqui chegámos parece que o mundo dos adultos é uma ilusão e que ninguém sabe bem o que está a fazer. Por outras palavras, os adultos estão só a fingir ser adultos.

Enquanto escritora na casa dos 20, decidi criar uma lista dos dez mandamentos para sobreviver à crise de um quarto de idade, com a esperança de que esta lista possa ajudar outros jovens:

  1. Trabalharás como um escravo e serás grato: trabalharás incansavelmente para pagar as contas, celebrando cada garrafa de azeite como uma vitória. Vais aceitar o estágio curricular não remunerado e depois o estágio IEFP. Tens licenciatura e até mestrado, mas o mais importante é teres experiência a servir cafés aos teus chefes.
  2. Viverás na casa dos teus pais até não poderes mais: desfrutarás da comodidade do wifi grátis e da roupa lavada, mesmo que tenhas de ouvir diariamente “Esta casa não é um hotel.”
  3. Não te exaltarás com perguntas sobre filhos: a pressão para ter filhos chegará inevitavelmente, quer tenhas ou não tenhas um parceiro. Filhos? Como podemos pensar em ter filhos se nós ainda nos sentimos filhos de alguém?
  4. Tentarás poupar, mas sem sucesso: as contas de streaming, happy hours de cerveja e aplicações de food delivery farão com que o teu (pouco) dinheiro se evapore. Vais achar que a tua conta bancária foi hackeada, mas se conferires perceberás que foste tu mesmo quem gastou o dinheiro.
  5. Não dormirás oito horas: a ansiedade, as notificações do telemóvel e as séries por ver serão as tuas companheiras de insónia.
  6. Não cobiçarás a vida aparentemente perfeita dos outros: acreditarás que a vida nas redes sociais é uma fachada e que os outros estão tão perdidos quanto tu.
  7. Terás que lidar com impostos e papelada, e desejarás voltar a ser criança: quando tiveres de tratar de recibos verdes, preencher o IRS ou levar o carro à inspecção vais ligar aos teus pais a pedir um manual de instruções.
  8. Não matarás a tua sanidade mental: a terapia será o teu santuário para desabafar sobre os absurdos da vida adulta e curar os teus traumas de infância. Estes traumas foram causados pelos teus pais, mas tens de entender que os pobres coitados com a tua idade já tinham filhos, por isso não sabiam fazer melhor.
  9. Terás um vício em café: a cafeína será a tua melhor amiga para sobreviver a noites mal dormidas. Não confies em alguém que não beba café ou que não tenha olheiras.
  10. Acreditarás que um dia tudo fará sentido: mesmo sem ter a menor ideia do que estás a fazer, manterás a esperança de que tudo fará sentido no final.

A crise de um quarto de idade que assombra os jovens é marcada pelas expectativas profissionais, pela pressão social e ainda pela busca por um propósito divino.

A verdade é que está difícil começar a vida. Cada vez mais ouvimos jovens falar sobre saúde mental, porque experienciam sentimentos de ansiedade, sintomas de burnout e depressão. As gerações mais “adultas” dirão que o problema da nossa geração é que sempre tivemos a vida muito facilitada e que devíamos ter ido para a tropa aprender o que a vida custa.

Se calhar têm razão, assim ganhávamos mais “estofo” e saíamos de casa sem ter de pagar renda. Verdade seja dita que todas as gerações têm as suas dores de crescimento. A transição de jovens para adultos nunca é fácil, por isso só me resta desejar boa sorte a todos.

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