Promete-se dinheiro na COP29, mas longe do bilião de dólares anual que é necessário

Relatório apresentado na Cimeira do Clima calcula que há uma lacuna de financiamento da acção climática nos países emergentes de cerca de um bilião de dólares anual até 2030.

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"Paguem" diz o protesto na COP29 montado por activistas do clima Murad Sezer/REUTERS
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Para enfrentar as alterações climáticas, os países em desenvolvimento precisam, pelo menos, de um bilião de dólares (equivalente ao trilião norte-americano e que corresponde a cerca de 947 mil milhões de euros) por ano até ao final da década, afirmaram economistas nas conversações sobre a conferência da Convenção do Clima das Nações Unidas que decorrem em Bacu, no Azerbaijão. Várias promessas foram avançadas no dia dedicado às finanças, mas está-se ainda bem longe desse objectivo.

O financiamento climático é uma das prioridades da COP29. O sucesso da COP29 será provavelmente avaliado pela possibilidade de se chegar a acordo sobre um novo objectivo para o montante que os países mais ricos, bancos multilaterais que financiam o apoio ao desenvolvimento e o sector privado devem disponibilizar anualmente para ajudar os países mais vulneráveis às alterações climáticas a financiar a transição para energias mais ecológicas e a protegerem-se contra condições meteorológicas extremas. A maior vulnerabilidade climática coincide, normalmente, com maior fragilidade económica e social.

A anterior meta financeira de 100 mil milhões de dólares anuais, que expira em 2025, só foi cumprida em 2022, informou a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) em Maio. Além disso, grande parte do financiamento foi concedida sob a forma de empréstimos e não de subvenções, o que acaba por agravar a dívida externa das nações mais vulneráveis. Isto é algo que os países beneficiários insistem que tem de mudar.

Esta quinta-feira, um relatório do Grupo Independente de Peritos de Alto Nível sobre o Financiamento das Alterações Climáticas calculou que há uma lacuna de financiamento da acção climática nos países mais pobres ou países emergentes de cerca de um bilião de dólares anual até 2030, que aumentará para 1,3 biliões de dólares em 2035, se não forem tomadas acções adequadas. Estes países precisam de apoio para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e pôr em prática medidas de adaptação às alterações climáticas.

“Qualquer défice de investimento antes de 2030 colocará uma pressão acrescida nos anos seguintes, criando uma trajectória mais acentuada e potencialmente mais onerosa para a estabilidade climática”, afirma o relatório, publicado pelo Instituto de Investigação Grantham sobre Alterações Climáticas e Ambiente da London School of Economics and Political Science.

A nível global, o cálculo é que o investimento anual até 2030 será de 6,3 biliões e 6,7 biliões de dólares. Deste montante, 2,7 a 2,8 biliões de dólares devem ser investidos em acções nas economias mais avançadas (Portugal faz parte deste grupo), 1,3 biliões na China e 2,43 a 2,5 biliões noutras economias emergentes para além da China.

Hoje em dia, 70% do financiamento climático nas economias emergentes é proveniente de fundos nacionais e, segundo o relatório, pode financiar cerca de 1,4 biliões por ano dos 2,4 biliões que se estima serem necessários até 2030 e 1,9 biliões dos 3,2 biliões estimados para 2035. "O financiamento externo internacional de todas as fontes, público e privado, terá de cobrir um bilião por ano das necessidades de investimento até 2030, e 1,3 biliões até 2035", lê-se no relatório.

Mas boa parte do financiamento internacional necessário para a acção climática terá também de ser proveniente destas economias emergentes, que incluem não só a China mas ainda países como a Índia ou as nações exportadoras de petróleo do Golfo Pérsico: “Vão representar 45% das necessidades adicionais de investimento até 2030, mas não têm cumprido a sua parte.”

Em 2035, a necessidade global de financiamento da acção climática deverá rondar sete a 8,1 biliões de dólares por ano, para se cumprirem os objectivos do Acordo de Paris, de manter o aquecimento global até 1,5 graus Celsius, diz o relatório do Grupo Independente de Peritos de Alto Nível sobre o Financiamento das Alterações Climáticas.

Acordo difícil

Mas alcançar um acordo deverá ser difícil, numa cimeira marcada por disputas e pessimismo quanto a mudanças na política mundial.

A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos pôs em dúvida o futuro papel dos Estados Unidos nas negociações sobre o clima; e a tensão entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento veio ao de cima nos principais palcos e nas salas de negociação.

“As partes [signatárias da Convenção das Alterações Climáticas da ONU] devem lembrar-se de que o tempo está a passar”, disse o negociador principal da COP29, Yalchin Rafiyev, numa conferência de imprensa.

“Devem utilizar este tempo precioso para falarem directamente uns com os outros e responsabilizarem-se pela criação de soluções de transição.”

Nos bastidores, os negociadores estão a trabalhar em projectos de textos para submeter a votação. Mas, até agora, os documentos da fase inicial publicados pelo secretariado da Convenção do Clima das Nações Unidas reflectem uma enorme variedade de opiniões à volta da mesa.

Alguns negociadores afirmaram que o último texto sobre finanças era demasiado extenso e que estavam à espera de uma versão mais reduzida antes de iniciarem as conversações para chegar a um acordo.

É provável que qualquer acordo seja muito difícil, dada a relutância de muitos governos ocidentais em dar mais, a não ser que economias emergentes como a China concordem em juntar-se a eles.

Embora, enquanto país, os Estados Unidos não sejam um financiador assim tão fundamental, a sua provável retirada de qualquer futuro acordo de financiamento – Donald Trump retirou os EUA do Acordo de Paris no primeiro mandato, e espera-se que o faça outra vez – aumentará a pressão sobre os delegados para encontrar outras formas de garantir os fundos necessários.

Uma das hipóteses são os bancos multilaterais de desenvolvimento, como o Banco Mundial, financiado pelos países mais ricos, e que está a passar por um processo de reforma para poder conceder mais empréstimos em condições mais favoráveis.

Acordos financeiros e comerciais anunciados na COP29

  • Bancos multilaterais Dez dos maiores bancos multilaterais, incluindo o Banco Mundial e o Banco Europeu de Investimento, anunciaram planos para aumentar o financiamento climático aos países mais pobres e de rendimento médio em cerca de 60%, para 120 mil milhões de dólares por ano até 2030. Garantem que pelo menos mais 65 mil milhões de dólares serão provenientes do sector privado.
  • Banco Asiático de Desenvolvimento Esta entidade disse à Reuters que planeia investir mais 7,2 mil milhões de dólares em projectos relacionados com o clima, depois de os EUA e o Japão terem concordado em subscrever alguns dos seus empréstimos soberanos.
  • Acumen O investidor sem fins lucrativos afirmou que planeia investir 300 milhões de dólares ao longo de cinco anos para apoiar projectos de adaptação agrícola na África Oriental e Ocidental, na Índia, na América Latina e no Paquistão. A Acumen pertence ao grupo de impacto dos investidores sustentáveis, o que significa que tem de produzir mudanças mensuráveis.
  • Parceria para o Financiamento da Transição Asiática Os parceiros desta iniciativa público-privada-filantrópica liderada pela Autoridade Monetária de Singapura, lançada nas conversações da COP28, no Dubai, e que visa cinco mil milhões de dólares em vários projectos, chegaram a acordo sobre os próximos passos. Entre eles, o programa de dívida para infra-estruturas da Transformação Industrial contará com a colaboração da Sociedade Financeira Internacional, do Mitsubishi UFJ Financial Group, do Nippon Export and Investment Insurance, do AIA Group e da BlackRock. Outra, a parceria Green Investments, prevê que a Pentagreen Capital, uma empresa comum entre o banco HSBC e o investidor estatal de Singapura Temasek, invista até mil milhões de dólares em infra-estruturas sustentáveis.
  • Fundo de investimento climático Este fundo, que oferece dinheiro em condições altamente favoráveis a projectos climáticos que, por sua vez, ajudam a atrair outros financiadores multilaterais e privados, lançou um programa de emissão de obrigações na Bolsa de Valores de Londres. O primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, afirmou que o fundo irá gerar 75 mil milhões de dólares em dez anos.
  • Adaptação dos glaciares O Banco Asiático de Desenvolvimento (BAD) anunciou um programa de adaptação climática no valor de 3,5 mil milhões de dólares, com a duração de sete anos, destinado a ajudar as comunidades e as empresas a adaptarem-se ao degelo dos glaciares no Sul do Cáucaso, na Ásia Central e no Paquistão, promovendo a utilização sustentável da água e a segurança alimentar. O BAD contribuirá com a maior parte do financiamento e, juntamente com uma subvenção do Fundo Mundial para o Clima, que está sujeita a aprovação, visa atrair investidores do sector privado para ajudar a região a adaptar-se ao impacto do rápido degelo.
  • Bancos do Azerbaijão A Associação de Bancos do Azerbaijão anunciou que os 22 bancos do país vão disponibilizar cerca de 1,2 mil milhões de dólares para financiar projectos que contribuam para a transição do país para uma economia com baixas emissões de carbono.