De norte a sul, do rio ao mar, ganharemos esta luta custe o que custar
Entre 4 a 9 de Novembro estive em Oaxaca, no México, juntamente com 250 ativistas de todos os continentes, no Encontro Global pelo Clima e pela Vida AntiCOP 2024. Depois de um autocarro que atravessou de noite os quase 500 quilómetros que separam a Cidade do México e Oaxaca, fomos recebidos na manhã de dia 4 de Novembro no bairro de Santa María de Atzompa, nos subúrbios da cidade de Oaxaca de Flores Magón.
Nas instalações coletivas da OIDHO (Organizaciones Indias em Defesa de los Derechos Humanos Oaxaca), o palco principal da conferência, instalámo-nos nos dormitórios e serviram-nos o pequeno-almoço. O encontro foi convocado por várias organizações oaxaquenhas e mexicanas de base, e isso notou-se no forte envolvimento dos coletivos dos vários territórios no programa e na organização do espaço. A OIDHO foi uma das organizações anfitriãs, tendo disponibilizado o seu espaço coletivo para a conferência – um campo de basquetebol com bancos onde se faziam os plenários, uma cozinha, os dormitórios, um salão, e as casas de banho (secas, porque Oaxaca enfrenta uma grave seca e a necessidade de cuidar a água foi bem frisada).
No plenário de abertura, por ocasião da celebração do Dia dos Mortos, honraram-se todos e todas aquelas que já morreram mas que inspiram e guiam as nossas lutas. Só na América Latina, em 2023, 166 defensores dos territórios foram assassinados. Olhando em redor do campo de basquetebol, éramos muitas e diversas. Com entusiasmo, os organizadores enunciam as várias geografias, nacionalidades e povos presentes no espaço – Aruba, Balochistão, Curdistão, Papua Ocidental, África do Sul, Waorani (Equador), Kanaky (Nova Caledónia), e Zapoteca (México) são apenas alguns exemplos. Éramos trabalhadoras, estudantes, migrantes deslocadas, defensores dos territórios, indígenas, organizações campesinas e afro-descendentes, movimentos anticoloniais pela libertação de territórios ocupados ilegitimamente; múltiplos corpos e formas de ver o mundo, juntos na mesma sala e a lutar pela vida.
Qual a ligação entre os fogos em Portugal que mataram 9 pessoas em 2024, e o desaparecimento de ilhas em Samoa, no Pacífico? Qual a ligação entre as políticas antimigratórias na Alemanha e a crise na fronteira entre o México e os Estados Unidos? Qual a ligação entre a ocupação ilegítima da Indonésia na Papua Ocidental, rica em gás fóssil e com uma floresta tropical importante, e a procura europeia por fósseis? Todas as histórias de luta e resistência partilhadas no encontro são diferentes ataques da mesma guerra. Todos somos diversos, mas sabemos que temos o mesmo inimigo: o sistema capitalista e colonial que há muito declarou guerra aos povos e à natureza. Com os seus vários tentáculos, a máquina de destruição do capitalismo devasta a vida dos povos em todo o mundo roubando a água, a terra, a floresta, explorando no campo e na cidade, colonizando, reprimindo, afogando e incendiando.
Estava sentada numa cadeira a participar num grupo de trabalho quando soube que nesse mesmo dia, a poucos quilómetros de nós, as defensoras do território indígenas Adriana e Virginia Ortiz Garcia foram assassinadas. Elas foram assassinadas enquanto estavam à procura do corpo do irmão, que havia desaparecido pouco tempo antes. Esta é a história de muitas e muitas pessoas que, em contextos como a América Latina, têm a coragem de fazer frente aos governos, às empresas e ao crime organizado (todos eles aliados entre si, como foi frisado várias vezes). A memória e a força de todas as pessoas que, ano após ano, pagam o custo de lutar pela justiça e liberdade com a sua própria vida, assassinadas pelos Estados, pelo crime organizado e pelas empresas, estão connosco, nas salas de reuniões, e nas ações de rua como a de dia 23 de Novembro em Lisboa.
Em meu redor estavam histórias de violência contra os povos mas, acima de tudo, de força e coragem para fazer frente a um sistema que há séculos tenta apagar e exterminar, que rouba os recursos, que enquanto nos manda a todos para o abismo climático, tudo usurpa aos 99% para dar aos 1% — os ultrarricos, os milionários, os chefes das empresas, os governos.
Algumas das histórias de resistência partilhadas incluem a luta do povo indígena Yaqui no norte do México contra a seca extrema, devido ao desvio do seu rio por parte do Governo; a luta da comunidade do Bosque em Tabasco (México), cujas casas estão a ser inundadas pelo aumento do nível do mar; as lutas pela justiça e libertação nacional contra as potências coloniais e imperialistas na Nova Caledónia (ilegitimamente uma colónia de França), Papua Ocidental (ocupada ilegitimamente pela Indonésia), Palestina (ocupada ilegitimamente por Israel), Baluchistão (ocupado ilegitimamente pelo Paquistão), e Saara Ocidental (ocupado ilegitimamente por Marrocos); a vitória histórica para manter o petróleo debaixo do solo no parque nacional do Yasuní (Equador) levada a cabo pela nacionalidade indígena Waorani; a batalha das ilhas do Pacífico contra o desaparecimento das suas ilhas, história e cultura; a luta contra o gigante gasoduto EACOP no Uganda e África Oriental, entre tantas outras. Relembrámos também a resistência do povo arménio face às tentativas de genocídio e limpeza étnica por parte de Estados como o Azerbaijão, que utilizam eventos como a COP para tentar polir a sua imagem internacional.
Dias antes de a COP29 acontecer, centenas de organizações opuseram-se ao processo criminoso da COP29, criando um espaço global alternativo do movimento em defesa da vida e do clima. Quando consegui (finalmente) ligar-me à Internet, vi que tinha sido publicado pela BBC News um vídeo do chefe executivo da COP29, Elnur Soltanov, a ser apanhado a tentar negociar novos projetos de combustíveis fósseis com quem achava que era um investidor (que, na realidade, eram membros da ONG Global Witness).
É impossível disfarçar mais: a COP, tal como os restantes processos institucionais deste sistema, foram construídos para falhar e devemos abandonar toda a esperança que temos neles. Só nós, os povos do mundo unidos em solidariedade internacional, podemos realmente travar a destruição e criar um novo mundo alicerçado na justiça climática e social.
Em cinco dias de trabalho, afirmámos a unidade dos povos de todo o mundo para travar a guerra que os Governos e as empresas declararam aos povos e ao planeta e reafirmámos a articulações entre o movimento por justiça climática, indígena, campesino, migrante, e de libertação nacional e anticolonial. Como proclamou uma companheira do Istmo de Tehuantepec, no México, “nós precisamos de pôr os nossos corpos a fazer frente à destruição. No Istmo, nós já fazemos isso. Todas precisamos de o fazer”. Em unidade e luta, avançamos.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico