Abutre-preto: números continuam a crescer em Portugal e Pousio é um dos membros da nova colónia

Espécie em Portugal evoluiu favoravelmente de Criticamente em Perigo para Em Perigo, mas ainda há muito trabalho para fazer e nenhuma garantia de que tudo continuará a evoluir favoravelmente.

Foto
Os dados de 2024 apontam para a existência de 108 a 116 casais nidificantes nas cinco colónias do país, com 48 a 49 crias Fahadee.com/ GettyImages
Ouça este artigo
00:00
05:46

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Pelo segundo ano consecutivo, os dados recolhidos sobre a presença do abutre-preto em Portugal, pelo projecto LIFE Aegypius Return, são animadores. Aliás, apesar da cautela que ainda rodeia a evolução da espécie, e de o seu crescimento por cá ser caracterizado como “lento, mas firme”, a verdade é que o objectivo inicial de duplicar a sua população reprodutora já foi claramente ultrapassado. A categoria da espécie melhorou na Lista Vermelha, mas ainda há muito a fazer, refere um comunicado divulgado esta segunda-feira.

No final de Junho, técnicos do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), descobriram, por acaso, aquela que viria a revelar-se ser a quinta colónia de abutre-preto do país (Aegypius monachus), na Vidigueira, e que se junta agora aos números animadores que o projecto tem para apresentar. É uma colónia nova que, dada a sua descoberta tardia, não permitiu ainda aferir com firmeza o número exacto de indivíduos que a compõe. Mas foi feita uma estimativa, a partir dos cinco ninhos encontrados (entre um a cinco casais), e sabe-se que pelo menos uma cria nasceu e chegou à tornou-se independente. Foi marcada com GPS e baptizada de Pousio. “Está de saúde e continua lá na região”, diz Milene Matos, coordenadora do projecto.

Os dados de 2024 apontam para a existência de 108 a 116 casais nidificantes nas cinco colónias do país, com 48 a 49 crias “recrutadas para a população”, ou seja, que sobreviveram até se tornarem independentes. Houve um aumento de casais em todas as colónias e o sucesso reprodutor, que tem sido modesto, também melhorou. Tendo em conta que, em 2022, o número de casais conhecidos rondava os 40, a evolução tem sido muito favorável. “Não esfregamos as mãos de contentes, porque basta um incêndio, uma grande tempestade, uma qualquer situação numa das colónias para se reverter estes dados. Mas, não sendo uma vitória absoluta, é uma conquista muito grande. E [a espécie] está a ter uma resposta mais rápida do que estávamos a contar. A duplicação que apontávamos para 2027, a data do fim do projecto, já aconteceu”, diz Milene Matos.

Ao nível do sucesso reprodutor também foi atingido o objectivo de conseguir que metade das crias nascidas nas colónias, sobrevivessem até à independência. A colónia do Tejo Internacional continua a ser a maior, mas nas restantes três já monitorizadas no ano passado, o crescimento foi um factor comum.

Munições sem chumbo

A colónia do Douro Internacional, que na monitorização do ano passado tinha três casais nidificantes, conta este ano com oito (três dos quais foram fazer ninho ao outro lado da fronteira, em Espanha). Ainda assim, a equipa avisa que são, na maioria, “casais jovens e inexperientes”, que apenas fizeram “cinco posturas”, de que resultaram quatro crias que foram recrutadas para a população - duas de cada lado da fronteira.

Foto
Herdade das Romeiras, abutre-preto (em cima) e grifo (em baixo) Miguel Manso

A intenção do projecto é reforçar esta colónia com “indivíduos aclimatados na região”, ou seja, a libertação de animais que, por alguma razão, foram entregues em centros de recuperação e estão a ser tratados numa jaula de aclimatação na região. “Os primeiros entraram na jaula em Maio e foram libertados agora, em Novembro. Como são juvenis sem território definido, tendem a não fazer muitos movimentos dispersivos e ficam por ali”, explica a coordenadora do projecto.

Nas restantes colónias, os dados também são positivos: a da Serra da Malcata, “em franca expansão”, conta este ano com 18 casais (mais quatro do que no ano passado) e 12 crias sobreviveram até se tornarem independentes. No Tejo Internacional, a colónia deste ano tinha entre 61 a 64 casais (eram entre 44 a 46 em 2023) e entre 24 a 25 crias voadoras; e na Herdade da Contenda o número de casais nidificantes subiu de 17 a 18 para 20 a 21, com sete crias voadoras.

No ano passado, os números que já se apresentavam positivos foram vistos ainda com maior cautela, porque como tinha sido iniciada uma nova modalidade de monitorização, havia o risco de alguns casais já existirem e não terem sido ainda identificados. Mas este ano essa dúvida já não persiste. “O aumento de 2024 deve-se exclusivamente à natural expansão da espécie, resultado das medidas de conservação que têm vindo a ser aplicadas”, lê-se no comunicado que divulga os dados mais recentes.

A evolução positiva da espécie em Portugal já permitiu que ela deixasse de ser considerada como Criticamente em Perigo, no país, para passar para Em Perigo, na actualização do Livro Vermelho feita há um ano. Milena Matos diz, contudo, que é demasiado arriscado acreditar que a futura actualização de 2028 veja uma nova evolução da espécie, para a categoria de Vulnerável. A manter-se a evolução, isso pode acontecer, mas não há garantias que tudo continue a evoluir favoravelmente.

Por isso, o trabalho é para continuar e há duas novas medidas que vão ser postas em prática ao longo dos próximos meses para garantir que o abutre-preto não volta a desaparecer do país enquanto espécie nidificante, como aconteceu na década de 1970. “Vamos estar muito investidos em duas tarefas: trabalhar com os criadores de gado e agricultores para, através dos mecanismos legais, disponibilizarmos mais alimento, recorrendo aos campos de alimentação, com vigilância sanitária; e vamos tentar acelerar com o sector da caça uma transição para o uso de munições sem chumbo. Porque ele é usado na caça de veados ou javalis e depois se os abutres ingerem estas carcaças, podem morrer se a contaminação for muito elevada, ou ficar doentes, mesmo que não seja. Vamos disponibilizar gratuitamente munições sem chumbo, para tentar acelerar este processo”, explica Milene Matos.

E, depois, é ver o que o próximo ano traz para os abutres-pretos de Portugal. Um ano de cada vez. “Estamos optimistas, mas sempre com muita cautela, porque este ano houve mais crias, mas também mais mortalidade. Temos de garantir que a espécie se reproduz e que as crias sobrevivem até à idade adulta”, conclui.